Após ser eleito com quase 56% dos votos, o novo presidente da Argentina, Javier Milei, toma posse, neste domingo (10). E o cerimonial já começa pela data que demarca a chamada “asunción” dos mandatários no país vizinho desde 1983, momento em que o regime militar — instaurado em março de 1976 — realizou a transferência de poder para um governo constitucional e democrático, sete anos após o golpe de Estado.
Oficialmente, o protocolo começará às 11h, após a recepção no Congresso, onde acontece o juramento e o primeiro discurso de Milei. A vontade do eleito é que a fala ocorra na Esplanada do Palácio Legislativo, o que faria uma referência ao tradicional rito dos presidentes dos Estados Unidos, país constantemente aludido pelo argentino que chegou a convidar o ex-presidente Donald Trump para sua posse.
O último ocupante da Casa Branca, assim como seu sucessor, o democrata Joe Biden, não estará presente, mas as confirmações até sexta-feira exibiam uma lista que reafirma as lideranças políticas ligadas ao campo da direita latino-americana e mundial. Entre os nomes, estarão os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, do Paraguai, Santiago Peña, e do Equador, Daniel Noboa. O Brasil será representado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, em razão da ausência de Lula.
Também devem marcar presença o rei da Espanha, Felipe VI, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Na quinta-feira, o governo da Ucrânia informou que Volodmir Zelensky estaria em Buenos Aires no domingo. Essas e outras autoridades deverão ser saudadas por Javier Milei após às 12h30min, quando ele encerra o trajeto previsto do Congresso até a Casa Rosada, a sede do poder na Argentina.
Um forte esquema de segurança será montado e uma multidão é aguardada nas proximidades da Avenida Nove de Julho. Segundo informações do Jornal El País, Milei teria manifestado a vontade de descer próximo da Plaza de Mayo, tradicional espaço de manifestações populares, e concluir o percurso a pé até a sede do governo, confraternizando com os populares.
Ex-presidente brasileiro é convidado de honra
Entre as especificidades que cercam a posse na Argentina, há os convites feitos pelo próprio Milei a algumas lideranças próximas de seu campo ideológico. Um desses convidados de honra será o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro, que comparecerá com uma comitiva de apoiadores, dentre os quais seus filhos e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Os jornais argentinos apontam que Bolsonaro receberá tratamento de chefe de Estado. Para coordenador do Laboratório de Análise de Política Externa (LAB-PEB) da UFRGS, André Reis, a ausência de Lula reflete que a artilharia pesada disparada por Milei contra o petista durante a campanha terá de ser diluída com o tempo. Ele lembra que o termo “corrupto” e expressões como “não vamos dialogar com comunistas” e “temos de romper com o Brasil” foram endereçadas ao atual presidente brasileiro.
— Mesmo que Milei tenha voltado atrás e feito o convite oficial ao Brasil, reforçar o chamado a um ex-presidente opositor não deixa de ser uma indelicadeza diplomática, sobretudo, quando há uma tradição velada de visitas do eleito e de comparecimento em posses, mesmo com essa variação ideológica sendo comum entre os mandatários de Brasil e Argentina — comenta.
Lula repete gesto de Bolsonaro
Em 2019, ao não reconhecer a eleição do então candidato da esquerda argentina Alberto Fernández, Bolsonaro acabou por romper com uma tradição de presença do chefe de Estado do brasileiro nos cerimoniais vizinhos, inaugurada com redemocratização, em 1989.
Nos últimos 34 anos, o Brasil não havia enviado representação somente em duas ocasiões, mas durante um período conturbado da economia e da história política argentina, quando os congressistas tiveram de nomear chefes de estado não eleitos pelo voto popular (em 2001 e 2002), em razão de uma série de renúncias ao cargo. O país vizinho chegou a ter cinco presidentes em 12 dias.
Em 2023, Lula repetirá o gesto de Bolsonaro ao não comparecer ao cerimonial. O fato abrirá espaço para que seu rival nas urnas em 2022 ocupe os holofotes, nesta que será a primeira participação de Bolsonaro em eventos de Estado desde que se tornou inelegível por prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
— Lamento que o presidente da República não tenha decidido se fazer presente e tenha preferido enviar uma representação profissional (em referência ao ministro das Relações Exteriores) pelo menos em reconhecimento às questões profissionais entre os países. Se estivesse lá, os holofotes estariam apontados a ele — comenta o vice-prefeito de Porto Alegre, Ricardo Gomes, que embarca na manhã deste sábado a Buenos Aires, onde participa da posse.
Correligionário de Bolsonaro no PL, Gomes conta que foi convidado por seu histórico de atuação junto aos movimentos liberais da América Latina. Por outro lado, destaca que a representatividade da Capital brasileira mais próxima da Argentina sinaliza um reforço de relações políticas que pode gerar frutos econômicos em futuro próximo.
Para o professor e vice-presidente de Relações Internacionais da PUCRS, João Jung, assim como a presença do presidente chileno, Gabriel Boric (mais alinhado ao campo da esquerda) é uma espécie de obrigação, Lula teve de fazer um cálculo político ao decidir não comparecer. Ainda assim, não crê em desdém por parte do Brasil, e sim numa tentativa de aparar arestas, uma vez que os países atuam comercialmente como um eixo:
— O que mexe de um lado altera o que ocorre do outro. Há proximidades ideológicas com Bolsonaro, mas uma postura diferente, que já ficou clara após a eleição, quando o tom do discurso mudou e indica que é preciso separar o que é marketing de campanha e o que é política de Estado.
Veja o histórico de representações brasileiras nas posses argentinas
- 1989:
José Sarney prestigiou a posse Carlos Menen. - 1995:
Fernando Henrique Cardoso esteve na posse de reeleição de Carlos Menen. - 1999:
Fernando Henrique Cardoso também esteve na posse de Fernando de la Rua. - 2001:
Fernando Henrique não comparece à posse de Adolfo Rodríguez Saá, eleito pelo Congresso; - 2002:
Fernando Henrique não compareceu à posse de Eduardo Duhalde, eleito pelo Congresso; - 2003:
Lula participou da posse de Nestor Kirchner. - 2007:
Lula participou da posse de Cristina Kirchner. - 2011:
Dilma Rousseff esteve na posse de Cristina Kirchner. - 2015:
Dilma Rousseff compareceu à posse de Mauricio Macri. - 2019:
Bolsonaro não foi à posse Alberto Fernández, mas foi representado por seu vice, Hamilton Mourão. - 2023:
Lula não irá à posse de Javier Milei, mas enviará o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.