Na noite de 12 de julho, recebi a maior homenagem que uma pessoa vinda do interior profundo do Rio Grande do Sul poderia receber. Graças à generosidade da vereadora Lourdes Sprenger e dos vereadores que, por unanimidade, aprovaram sua proposta, ostento o título de cidadã de Porto Alegre. É simbólico, mas comemoro esta dupla cidadania com a certeza de que nesses 44 anos criei uma relação genuína e de troca: dei meu esforço por uma cidade melhor e recebi em troca acolhimento e oportunidades.
Reproduzo aqui trechos do que disse na tribuna da Câmara, compartilhando com quem não esteve lá um pouco da minha ligação com Porto Alegre. Eu tinha 17 anos quando passei no vestibular da PUCRS, em janeiro de 1978. Naquela época não havia telefone em Campos Borges e meus pais só souberam quando cheguei em casa, no dia seguinte, abanando o jornal com o listão dos aprovados. Meu pai não pulou de alegria, como eu esperava. Estava fazendo uma cerca, parou, me abraçou e disse com certo desconforto:
— Fico orgulhoso de ti, mas eu não tenho como pagar uma faculdade particular.
Respondi: "Não se preocupe. Eu vou pedir crédito educativo e trabalhar".
— E onde tu vais trabalhar de formada, se aqui não tem jornal? Que futuro pode ter um jornalista?
Disse que não se preocupasse e perguntei o que ele queria ganhar quando eu recebesse meu primeiro salário.
— Um arco de pua – foi a resposta.
Não sei se quem é da cidade sabe o que é um arco de pua, mas é o cabo de uma furadeira manual, muito rudimentar, que não deve custar nem R$ 50.
Meu pai arranjou dinheiro para a matrícula e eu vim procurar lugar para morar, mas as pensões baratas não aceitavam menores de idade. Fui emancipada seis meses antes de fazer 18 anos para evitar complicações. Graças à generosidade de uma amiga que não está mais entre nós, Elena Roesler, fui morar numa república na Rua Riachuelo. Éramos seis moças, os pais de uma delas e dois rapazes em um apartamento de dois dormitórios. Ali conheci Lucia Wey, para sempre uma das minhas melhores amigas.
Cheguei em março de 1978, sem saber nada da vida e trazendo na bagagem uma vontade infinita de ser jornalista, de lutar pela democracia e de mudar o mundo. Todo o meu patrimônio cabia numa mala de papelão e sobrava lugar. Em duas semanas, consegui meu primeiro emprego, como recepcionista na Esso Brasileira de Petróleo. Trabalhava oito horas por dia e estudava todas as noites e nas manhãs de sábado.
A PUCRS foi um mundo novo que se abriu diante dos meus olhos incrédulos. Para sempre serei grata ao professor Antonio Gonzalez, nosso diretor, ao Irmão Mainar Longhi e às professoras que me emprestavam os livros que não conseguia comprar. A PUCRS é a minha primeira casa de verdade em Porto Alegre. Lá fiz amizades que duram até hoje, mas cito duas em especial, de quem jamais me separei: Nereida Manzoli e Regina Sakakibara. Elas foram essenciais nos momentos difíceis e não têm ideia do quanto são importantes neste inventário de memórias.
Concluí a faculdade em quatro anos e troquei definitivamente o petróleo e as bombas de gasolina pelo jornalismo. Primeiro na assessoria de imprensa do Palácio Piratini, onde fiz uma espécie de pós-graduação com Helena Lemos, a melhor chefe que uma iniciante pode ter. Depois trabalhei na Rádio Guaíba, meu primeiro emprego em veículo e minha primeira cobertura eleitoral, em 1982. Dizem que nós, jornalistas, somos bichos que se reproduzem em cativeiro. Lá conheci meu marido, Tailor Diniz, e estamos juntos desde então.
Trabalhei também na Rádio Pampa, mas queria mesmo viver a experiência de uma redação de jornal. Foi meu amigo José Barrionuevo quem me convidou para trabalhar na editoria de política na reabertura do Correio do Povo, em 1986. Lá fui editora de Política e de Economia. Numa tarde de julho de 1992, Marcelo Rech, por quem sempre tive enorme respeito profissional e carinho pessoal me convidou para ser editora de Política na Zero Hora.
Nos próximos dias, completo 30 anos de Grupo RBS. É uma vida ao lado de pessoas a quem admiro e que, mais do que colegas ou chefes são amigos, como Adriana Irion, Dione Kuhn, Marta Sfredo, Nilson Souza, Nilson Vargas e Marta Gleich, nossa serena condutora do jornalismo da RBS. Agradeço ao comitê executivo, conduzido por Claudio Toigo, pela confiança nesses anos todos. De Jaime e Nelson Sirotsky, dois apaixonados pelo jornalismo, sempre recebi o apoio necessário para navegar nessas águas turbulentas do jornalismo político e aproveito esta oportunidade para fazer um registro de admiração.
São 18 anos à frente da coluna em que substituí o Barrio e 15 na apresentação do Gaúcha Atualidade, primeiro com André Machado e Ana Amélia Lemos, depois com a Carolina Bahia e Daniel Scola que é, mais do que colega, um amigo e um irmão. Hoje, enquanto o Scola se recupera, somos eu, Andressa Xavier e Giane Guerra. Nos divertimos quando os ouvintes nos chamam de meninas superpoderosas, porque tenho idade para ser mãe delas, mas tenho a sensação de que somos amigas de infância.
Na Rádio Gaúcha e na Zero Hora tenho tantos amigos que não há como citá-los, mas preciso falar dos meninos e meninas que me ajudaram ou me ajudam na coluna. Pela ordem, Vivian Eichler, Fabiano Costa, Letícia Duarte, Juliano Rodrigues, Débora Cademartori, Paulo Egídio e Bruno Pancot. É uma alegria vê-los voando alto.
Porto Alegre me conquistou e aqui criei raízes. Aqui nasceram meus filhos, Luiza e Eduardo. Não é fácil para a minha família carregar o ônus dos nossos laços. Quando alguém quer me atingir (às vezes atingir um adversário) no esgoto das redes sociais, ataca meu marido e meus filhos. Nesses momentos, lembro o poeta Mario Quintana, a quem conheci pessoalmente nos meus verdes anos: eles passarão, eu passarinho.
Minha querida irmã Roseli, minha quase gêmea, representou a família. Nossos irmãos estão espalhados por aí, trabalhando. Nossa mãe está com 80 anos e não gosta de sair de casa no inverno, mas nosso pai, tenho certeza, em algum lugar do universo acompanhou a sessão e deve ter dado boas risadas lembrando do arco de pua. Ele pode ter duvidado no início que o jornalismo me desse algum futuro, mas me apoiou em todos os momentos, não deu ouvidos aos vizinhos que achavam que eu me perderia na cidade grande e comemorou cada uma das minhas conquistas.