A comemoração deveria ter ocorrido em 2021, quando os trigêmeos Edit, Ozir e Terezinha completaram 80 anos, mas a pandemia impediu que a grande família se reunisse. Só os mais próximos puderam comemorar, discretamente, o aniversário do trio que, em 1941, fez história no município de Espumoso: os filhos de João Fagundes de Oliveira e Philomena Orling de Oliveira. No fim de semana que passou, mais de 150 descendentes de seu João e dona Mena, meus avós paternos, puderam, enfim, reencontrar-se e abraçar esses tios que desafiaram o destino e chegaram saudáveis aos 81 anos. Desconheço se há outro caso no Brasil.
Quando deu à luz os trigêmeos, em casa, minha avó já tinha 11 filhos. Desde o nascimento do primeiro, estava sempre grávida ou com um bebê nos braços. Era a sina das mulheres naquelas décadas de 1930 e 1940, antes da pílula anticoncepcional. Se a vida da vó Mena fosse um filme, a trilha sonora seria Força Estranha, de Caetano Veloso, cantada por Gal Costa. Ela passou a juventude "preparando outra pessoa".
Como não havia ecografia, o sexo dos bebês só era conhecido quando a parteira os retirava do corpo da mãe. Sem exame pré-natal, vivendo em um fundo de campo, a vó Mena estranhava o tamanho daquela barriga, tão diferente das outras vezes. Desconfiava que podiam ser gêmeos, nunca que seriam três: duas meninas miudinhas e um alemão que lembrava mais os Orling do que os Fagundes.
Os trigêmeos nascidos em plena Segunda Guerra Mundial, quando o primogênito Heitor já servia ao Exército Brasileiro, cresceram na paz dos campos de Julio Cardoso, serenos e gentis. Das meninas, dizia-se que eram tão pequenas que ao nascer tinham o rostinho do tamanho de uma laranja. Eram tão parecidas que ninguém de fora da família conseguia distinguir a Tere da Edit.
Na formação original, eram oito homens e seis mulheres. Gente simples, trabalhadora e honesta, que venceu a pobreza na força do braço e na inteligência, quebrando geada para ir à escola, trabalhar na roça e cuidar dos animais.
Minha avó ficou viúva quando os trigêmeos ainda eram bebês. Uma simples pneumonia matou meu avô aos 44 anos, deixando dona Mena com 14 filhos para criar. Cada uma das três irmãs mais velhas se encarregou de um dos bebês.
Dona Mena viveu seu luto do jeito possível e sobreviveu pelas crianças, cuidando da família e sendo cuidada pelos filhos que cresciam, amadureciam, trabalhavam e formavam suas próprias famílias. Nasciam os netos e ela distribuía amor do seu jeito, um pouco para cada um.
No roteiro que muitas vezes pensei em escrever sobre a vida da minha avó, o filme começaria mostrando uma mulher de olhos muito azuis, olhando a imensidão do campo à espera do filho mais velho que tinha ido para a guerra. Dele, dizia-se que tinha morrido nos campos da Itália, ou perdido uma perna, ou ficado paraplégico, mas ela não perdia a esperança.
Um dia, essa mulher vê surgir no alto da colina o vulto de um homem que vai crescendo, crescendo, crescendo até se formar em sua retina a imagem de Heitor, vestindo a túnica verde-oliva do Exército. O pracinha estava de volta, sem nenhum arranhão.
Anos depois da ressurreição desse sobrevivente da Segunda Guerra, minha avó enfrentou a pior das dores que uma mulher pode sofrer: a perda de um filho. Tio Sidenei sofreu um acidente fatal, quando trabalhava em uma oficina mecânica em Porto União ou União da Vitória, mas a família só soube muuuito tempo depois, porque assim era a vida na pré-história das comunicações instantâneas.
A perda em si e a tristeza de não ter podido sepultar o filho a fizeram mais silenciosa do que era e agravaram a dor de cabeça crônica que a tornou dependente de Fontol, nome comercial do ácido acetilsalicílico naquela época. Depois de longos meses de enfermidade e sem um diagnóstico preciso, dona Mena despediu-se da dor e da vida em 1974, aos 73 anos, quando todos os filhos já tinham lhe dado netos.
Essas histórias foram relembradas no aniversário dos trigêmeos, que marcou também o encontro com Eliane, uma das filhas do tio Sid. Bendito seja o LinkedIn, que permitiu ao irmão dela, Gilson, localizar um dos nossos primos de Espumoso e recompor o elo que faltava na corrente da nossa família.