Minha mãe vai fazer 80 anos no dia 10 de maio. Se frequentasse as arenas da política como os torcedores frequentam os estádios de futebol, é possível que fosse mais xingada do que é só por ser mãe de uma comentarista de política. Assim como as mães dos juízes, ela não tem culpa. Se dependesse da sua vontade, eu teria sido professora, mas escolhi ser jornalista e quando passei no vestibular, aos 17 anos, restou-lhe aceitar a minha decisão, como aceitara que eu saísse de casa com 10 anos para estudar. Ela nunca entrou no Twitter e por isso não conhece as grosserias que infestam as redes sociais e que, volta e meia, são dirigidas a quem me pariu.
Minha vó deu à primeira filha um nome estranho: Universinda. Fico imaginando a estranheza dos vizinhos, lá em 1942, sabendo que dona Jurema tinha dado ao bebê um nome tão comprido e pouco usual. Mas ela explicava que era uma homenagem à professora da Escola São Judas Tadeu, que viria ser a maior inspiração da vida da minha mãe.
Seu sonho era ser professora como aquela senhora que a alfabetizou escrevendo numa pedra porque não tinha caderno. O sonho não se realizou. Minha mãe ficou órfã de pai aos oito anos e só estudou até o quarto ano primário, que mais do que isso não tinha na Volta Vitória. Aos 17 anos, casou-se com meu pai, por quem se apaixonara à primeira vista e só tinha 18 quando eu nasci.
Em nove anos, minha mãe teve cinco filhos de parto normal, em casa. Trabalhava na roça, cuidava da casa e das crianças, lavava roupa no rio, com sabão feito em casa, e ajudava a administrar o pouco que a cada ano melhorava um pouco porque meu pai trabalhava de manhã à noite e tinha crédito com o velho Ernesto Koeppe, que emprestava dinheiro a juro. Assim conseguiu comprar o pedaço de terra de onde saiu o sustento da nossa família até que começássemos a trabalhar, todos antes dos 18 anos.
Em 2015, um ano que todos queremos esquecer, meu pai morreu em consequência de um AVC sofrido seis meses antes. Ia completar 80 anos na semana seguinte e estávamos preparando uma festa para celebrar.
Esse episódio, somando à covid que restringiu as relações sociais, nos fizeram desistir da festa de 80 anos. Resolvemos comemorar de forma diferente. No feriado de Páscoa, a Beth (terceira filha) a levou para uns dias no Gravatal, um dos passeios preferidos dela. Neste fim de semana, Roseli e eu a trouxemos para Canela e a levamos ao Mátria Parque de Flores, porque, como eu, ela também é fascinada por jardins.
Aos quase 80 anos, minha mãe já não tem fôlego para longas caminhadas. Contratamos o carrinho de golfe que percorre os jardins transportando os que têm dificuldade de locomoção e celebramos antecipadamente o aniversário. À noite, já no hotel, minha mãe estava pensativa, com jeito de triste. Perguntei se estava com algum problema e ela respondeu que estava apenas pensando na beleza do que vira. Que fechava os olhos e só enxergava aquele mar de flores roxas, referindo-se ao jardim lilás. Ela não disse, mas tenho certeza de que pensava no meu pai, com quem viveu um casamento de mais de meio século e que gostava tanto de flores e árvores que uma vez voltou de umas férias em Pernambuco, primeira viagem de avião, carregado de sementes que não prosperaram no inverno do Sul.