Antes de embarcar de volta para o Brasil, o governador Eduardo Leite deu entrevista exclusiva que foi ar no Gaúcha Atualidade desta segunda-feira (14). Mesmo com algumas respostas evasivas, na entrevista fica claro que Leite está, sim, inclinado a aceitar o convite de Gilberto Kassab (PSD) para ser candidato a presidente da República.
Leite descartou a possibilidade de concorrer à reeleição e disse que é movido a desafios. Lembrou que, quando concorreu a prefeito de Pelotas, as pessoas diziam que era uma loucura, porque a cidade estava quebrada e não daria projeção estadual. Depois, quando concorreu a governador, ouvia que o Rio Grande do Sul era um cemitério de políticos e que não lhe daria projeção nacional.
— Muita gente tem entendido que é uma eleição difícil, mas que eu posso. Não quero viver com o sentimento de que eu poderia ter feito algo e não fiz. Por isso eu vou usar a pista toda antes de tomar a decisão.
Confira a íntegra da entrevista:
O senhor antecipou o retorno da viagem aos EUA em um dia para discutir questões políticas, principalmente em São Paulo. O que está faltando para decidir se será ou não candidato à Presidência da República?
Uma candidatura à Presidência da República não depende apenas de uma vontade pessoal, é preciso que ela seja construída. Qualquer candidatura, de prefeito ou de governador, precisa ser construída por um grupo em torno de um projeto, de uma agenda. E é isso que eu estou conversando com diversas pessoas que acreditaram, que foram tocadas, que foram sensibilizadas pelo projeto que eu apresentei, pelo caminho que eu apresentei. Muita gente se mobilizou em torno daquela agenda através das prévias do PSDB.
Nas últimas semanas, eu comecei a ser provocado a uma mudança de partido para poder viabilizar, talvez, um projeto alternativo a essa polarização que está aí. O que eu estou buscando, nas conversas que estou mantendo, é justamente entender quem vem junto.
De fato, é algo que mobiliza mais gente para tomar essa decisão, que não é simples. De um lado, isso envolve uma mudança de partido, que é algo que não me deixa confortável, mas que eventualmente se impõe diante da necessidade de construir uma alternativa para essa eleição polarizada que está aí, que duas candidaturas estão mais preocupadas em destruir a outra do que construir algo novo para o país. E de outro envolve a renúncia do meu mandato de governador, que também não é algo que me deixe satisfeito, pois estou muito entusiasmado com o que estamos fazendo no Estado, com a virada de jogo que fizemos.
O Estado tem os salários em dia, tem as contas em dia, tem capacidade de investimento e estamos fazendo obras em todas as regiões. E todos os municípios vão ter obras com recursos do Estado nesse ano, por conta do Programa Avançar. Na área de estradas, infraestrutura, educação, saúde, ou projetos dos municípios em praças, parques, áreas esportivas, todos estão com recursos do governo do Estado. A gente virou o jogo e, ao mesmo tempo, isso demanda coordenação política e de gestão do governo do Estado. Então é isso que estou avaliando para tomar uma decisão consciente, equilibrada e com visão de futuro.
O que é mais difícil: deixar o PSDB, que é seu único partido na história, ou deixar o governo do Estado nove meses antes, que é o tempo de uma gestação?
Pois é, nove meses parece pouco tempo diante dos quatro anos de governo, mas é tempo suficiente, especialmente agora que a gente tem recursos para fazer muita coisa. Então, sem dúvida nenhuma, é desse projeto, para o qual fui contratado pela população gaúcha, com mais de 3 milhões de votos. É algo que é extremamente dolorido, pois ao longo de três anos e três meses eu dei tudo que pude, morei no trabalho, me mudei para o Palácio (Piratini) para viver o governo diariamente. E isso é o que mais dói, sem dúvida nenhuma. Embora uma eventual mudança de partido não seja algo fácil também, porque (o PSDB) é onde eu construí a minha vida política.
Então é por isso que eu estou dizendo que estou conversando, refletindo, para poder tomar uma decisão. Mas sempre com um único propósito, que é ser um instrumento na política para prover mudanças na vida das pessoas. Eu pude fazer isso como prefeito. Entendo que podemos fazer mudanças substanciais na vida dos gaúchos como governador e não me conformo em ver o nosso país em um clima destrutivo como está a nossa política nacional, sem construir um futuro diferente por conta de uma discussão entre um passado, que teve uma série de problemas, e um presente que não está sendo bom.
Não me conformo em ver o nosso país em um clima destrutivo como está a nossa política nacional
EDUARDO LEITE
Governador do RS
Está faltando alguém nesse processo político que fale de futuro, que olhe para frente e traga o que está fazendo. Falta discutir nesse processo político as mudanças econômicas, as inovações, o que a vida das pessoas é afetada por essas novas tecnologias, essa necessidade de melhorar a educação brasileira. Enfim, o que precisa ser feito e não o que precisa ser desfeito, apenas.
Até que ponto pesa o fato de que a sua sucessão no governo do Estado ainda não está resolvida?
É um componente, pois eu sou responsável pelo projeto político, do projeto da gestão do governo e do processo político também da sucessão. Então, aquilo que nos fez fortes no governo, que evitou que a antecipação do debate eleitoral acontecesse, ou seja, eu (dizer que) não era candidato a reeleição. Desde o início já não me declarei como candidato a reeleição e também nunca apontei quem seria um candidato, para evitar que o governo sofresse com desajustes políticos na base. Isso acabou, por um lado, nos fragilizando para um projeto sucessório. Eu digo assim, do ponto de vista de amarração política, pois tenho convicção de que o governo estará com força pelos resultados que traz diante da população, com a aprovação que já tem e que ainda terá pelos resultados que vão sendo entregues, suficientes para eleger uma continuidade. Isso eu tenho muita confiança.
Mas isso, certamente, é um ponto a ser analisado, que é essa amarração, essa costura política diante da aspiração legítima que têm os partidos de protagonizar o processo. É legitimo que cada um dos partidos, especialmente os grandes, que têm mais deputados e prefeitos, tenham o sonho e a aspiração de terem eles o candidato a governador. Então não é fácil amarrar essas aspirações todas em torno de uma única agenda, de um único candidato. Mesmo que eventualmente eu venha a tomar uma decisão que exija que eu saia do governo, não deixarei de agir para dar minha colaboração na construção política que permita a continuidade no projeto que a gente tem no RS hoje.
Na hipótese de o senhor não ser candidato a presidente, há uma possibilidade de disputar a reeleição e voltar atrás nessa caminho que já tinha traçado, já que em fevereiro houve uma pressão, inclusive de empresários, para que o senhor concorresse?
Fico muito lisonjeado de ser, de certa forma, cortejado por assim dizer. Inclusive eu costumo brincar com as pessoas que pedem isso que é fácil para elas me pedirem isso porque a língua que será mordida é a minha, e não a delas. Então é na minha língua que dói. Eu não pretendo voltar atrás nessa decisão, pois como eu disse, houve uma costura política que passou por isso e que ensejou esse compromisso. E eu pretendo honrá-lo. Estou trabalhando na lógica de ajudar na sucessão sem ser candidato e estou discutindo o projeto nacional neste momento.
Nesse projeto nacional, sempre que a gente ouve o senhor falando, hora tem a sensação de que está mais para lá, mais para cá. Dá para dizer que hoje que há 80% de possibilidade de se candidatar a presidente e 20% de dizer não?
Eu sei que a tentativa é sempre sintetizar em percentuais, escalas de zero a 10, tornar mais objetiva uma conversa que tem uma subjetividade. As pessoas que me conhecem sabem que eu sou uma pessoa movida pelo desafio. Eu concorri a prefeito de Pelotas e lembro que ouvia de amigos que era uma loucura, pois nunca se ouvia de alguém que foi prefeito de Pelotas que tenha ganhado projeção política, pois a prefeitura é algo desafiador, em uma região empobrecida do Estado. Não deixam de ter razão quando falavam que era uma máquina de moer carne, que luta para se desenvolver economicamente, que tem mudanças, mas ainda há sequelas de décadas de problemas econômicos. A cidade que eu assumi tinha quase metade das ruas sem pavimentação nos bairros, e ainda hoje essa é a realidade. Então só para dizer que assim: era difícil ser prefeito e logo em seguida se tornar uma figura relevante.
Quando decidi concorrer a governador, também me diziam isso de que era uma loucura, pois o RS era um cemitério de políticos governadores, pois acabavam suas carreiras depois dos governos, então o que dirá ser considerado para ser presidente da República.
Eu sou muito movido pelo desafio. E nesse momento está se apresentando um desafio no plano nacional, do qual eu e muitas pessoas sentem e me estimulam que eu possa dar uma contribuição. Eu não estou na política para montar no primeiro cavalo que passa pela frente, pois é oportunismo. Eu não tenho nenhum problema em apoiar outro candidato se ele se revelar mais competitivo e afinado com o projeto ideal, com a ideologia que eu tenho, com a visão de governo para o futuro do país. Muita gente tem entendido que é uma eleição difícil, mas que eu posso vir a ser alguém que consiga puxar a discussão para outra direção, mais para um futuro ao invés desse passado e desse presente ruim que o Brasil está vivenciando. E isso me instiga e me provoca. Eu não quero viver com o sentimento de que eu poderia ter feito algo, mas não fiz. Então eu vou usar a pista toda que eu tenho pela frente até que eu sinta que a decisão se imponha, para tomar uma decisão consciente e que atenda o meu espírito de colaboração na vida pública e meu propósito de ajudar, através da política, a fazer a transformação que já pude fazer em Pelotas, estou ajudando a fazer no Estado e agora, eventualmente, a etapa que falta é em nível nacional.
Acho que o erro do Brasil é sempre apostar em salvadores, em mitos ou outras figuras messiânicas. Acho que não é por aí.
EDUARDO LEITE
Governador do RS
Aqui nos EUA, o senhor recebeu, em algumas agendas que acompanhamos, apoio e aplausos pelo que tem feito e um estímulo para ser candidato a presidente. O fato de ter esse reconhecimento no Exterior é um gás a mais para a sua decisão?
Agora há pouco, assistindo a uma palestra do Edu Lira, uma senhora brasileira que estava ali assistindo me abraçou e disse: "Nos salve, governador". Eu disse: "Não sou salvador, não sou candidato a salvador da pátria". Acho que o erro do Brasil é sempre apostar em salvadores, em mitos ou outras figuras messiânicas. Acho que não é por aí. Eu busco dar uma colaboração na política. Agora, é claro que esse sentimento que muitas pessoas externam também é o meu sentimento, de que a gente precisa criar uma alternativa, algo que ajude a construir expectativa, esperança no futuro, que seja mais embalada e alavancada no sentimento de amor do que de ódio, como eu acredito que deva ser a política. Então isso me estimula, sem dúvida nenhuma, e é daí que eu tenho colhido esse sentimento que estou processando e refletindo se de fato tem substância e consistência para levar esse projeto a diante.
Qual é o balanço que o senhor faz dessa semana de encontros aqui nos EUA, que passaram por várias agendas e termina em Austin com uma apresentação no SXSW, que de certa forma tem correspondência com a South Summit que será em Porto Alegre?
Acho que a agenda foi bastante importante. A gente conversou com os maiores bancos e fundos de investimento, empresas importantes como a Dell, a AES, que já teve negócio no RS na distribuição de energia e que é importante no ramo de geração hoje em dia. Então, em várias frentes, nós tivemos oportunidades de ou lançar bases para futuros investimentos ou colher inspirações, como nós tivemos na prefeitura de Nova York, com a polícia local, para serviços públicos no RS, e agora na South by Southwest, a oportunidade de buscar inspirações sobre mudanças de tendências, de desenvolvimento econômico, de mercado de trabalho, da educação. Têm muitas empresas de diversos setores econômicos buscando sair um pouco da caixa, cada um inserido na sua rotina de trabalho, e precisam se conectar com o que está acontecendo no mundo para não perder a sensibilidade e corrigir rotas. Então para o governo também é importante e a gente precisa antecipar para onde o mundo está indo, para poder fazer ajustes dentro do governo, já que governo, em via de regra, acaba demorando mais para fazer seus ajustes. South Summit acaba coroando a nossa política de inovação, que a gente quer consolidar como vetor de desenvolvimento do Estado, que é a inovação e a tecnologia. Então o South by Southwest também é uma grande inspiração, isso que a gente quer e para a inovação do Brasil.