Fica difícil levar o Brasil a sério quando se mudam leis exclusivamente pela conveniência política. É o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz de 75 para 70 anos a idade para a aposentadoria compulsória de ministros dos tribunais superiores. A idade máxima para permanência na carreira era de 70 anos, mas foi alterada em 2015 por motivação política travestida de argumentos técnicos.
Em 2015 o motivo para o aumento da idade era evitar que a então presidente Dilma Rousseff, recém eleita para o segundo mandato e vivendo uma crise profunda de relacionamento com o Congresso, nomeasse os sucessores dos ministros do Supremo que completariam 70 anos até 2018. O argumento usado na época parecia legítimo: com o aumento da expectativa de vida, seria razoável dar mais cinco anos aos ministros dos tribunais superiores.
Falou-se até em economia de recursos públicos, como se essa fosse uma preocupação dos deputados e senadores. Estendendo a permanência dos ministros, o país não teria de pagar um aposentado e um na ativa. Dilma foi derrubada e Michel Temer só nomeou um ministro — Alexandre de Moraes — porque Teori Zavascki morreu em um acidente de avião em Paraty.
Coube ao presidente Jair Bolsonaro indicar dois ministros, mas ele quer mais. Como o jabuti na árvore foi colocado pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), bolsonarista fanática, ficou escancarado que estava a serviço do presidente. Caso seja aprovada a mudança, valendo para os atuais ministros, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski teriam de se aposentar após a promulgação da emenda. Para aliviar as suspeitas de que a intenção seja ampliar a bancada do governo no Supremo, a deputada argumentou que na comissão especial a ser criada pode-se estabelecer que a regra só vale para os nomeados a partir da mudança.
Embora a proposta tenha sido aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que não vai colocá-la em votação. A CCJ não faz avaliação de mérito: diz apenas se um projeto é constitucional ou não. Se mudar para mais foi constitucional, alterar para menos não seria? Entre os juristas, há controvérsias, já que se trata de uma interferência em outro poder, que fere o direito dos que ocupam o cargo hoje.
Para além da questão jurídica, a proposta ganhou o apelido de PEC da Vingança, porque Bolsonaro e seus seguidores fazem campanha explícita contra o Supremo. Na campanha de 2018, Bolsonaro chegou a defender a ampliação do número de ministros para 21 e nomear 10 "do perfil do juiz Sergio Moro". Eleito, levou Moro para o Ministério da Justiça e foi alertado de que a proposta de ampliar o número de ministros era inviável. E Moro passou de candidato a ministro do Supremo a provável concorrente de Bolsonaro em 2022.