Mais candidato do que nunca, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva finge que ainda não decidiu concorrer, mas logo em seguida se trai e fala como se estivesse em palanque sobre o que fará se for eleito. Na entrevista de meia hora que deu ao programa Gaúcha Atualidade na manhã desta terça-feira, Lula falou como candidato do início ao fim e deixou clara qual será sua estratégia quando tiver abordar assuntos incômodos, como corrupção, relação com ditadores de esquerda e erros cometidos pelo PT: vai falar mais alto, dizer que não é com ele e responder o que bem entender, tática usada por Leonel Brizola que respondia o que queria, fosse qual fosse a pergunta.
É fato que Lula lidera todas as pesquisas de intenção de voto até aqui divulgadas, inclusive as encomendadas por setores que preferem outros candidatos, caso do mercado financeiro. Quando a campanha começar, pode até crescer, na esteira da fragilidade dos adversários, mas o mais provável é que perca alguma gordura, porque até aqui está jogando sozinho. Com os adversários em campo, não terá como ficar repetindo que não houve corrupção nos governos do PT, até porque corruptos e corruptores já confessaram.
Também é fato que Lula e sua sucessora Dilma Rousseff deixaram a Polícia Federal trabalhar em paz, que a Corregedoria-Geral da União foi fortalecida, mas daí a dizer que não houve corrupção vai uma distância quilométrica. Antes do petrolão, houve o mensalão. No caso da Petrobras, ficou escancarado o conluio com empreiteiros que combinavam licitações, superfaturavam preços e distribuíam propina a agentes políticos. Na campanha, não bastará dizer que as condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, que Sergio Moro é mentiroso, que Jair Bolsonaro é incapaz. Para além de desqualificar os adversários, quem quiser vencer a eleição terá de reconhecer suas fragilidades e enfrentá-las.
Lula hoje é favorito — mesmo que seus adversários desdenhem das pesquisas — porque a comparação com Bolsonaro o favorece no enfrentamento à pobreza, nas políticas sociais em geral, nos investimentos em educação e no crescimento da educação. As obras do PAC, citadas por Lula na entrevista à Gaúcha, forma importantes, mas parte delas ficou inacabada. Duplicações como a da BR-290 (Eldorado do Sul-Pantano Grande), que já deveriam estar concluídas, pararam no início e, agora, o ministro da infraestrutura avisa que só sairão se a rodovia for concedida à iniciativa privada, com pedágios.
Lula tergiversou quando foi confrontado com seu outro ponto fraco, a ligação com ditaduras de esquerda. Tentou dar uma curva dizendo que quando falou na entrevista ao jornal El País que se Angela Merkel está há 16 anos no poder na Alemanha, Daniel Ortega poderia ficar 12 anos, estava só comparando o parlamentarismo com o presidencialismo. Foi preciso esclarecer que na entrevista ele não fez essa distinção e que Merkel nunca mandou prender seus adversários. Lula exaltou-se:
— Nunca vi você reclamar que eu fui preso quando liderava as pesquisas só para não disputar a eleição. A ONU disse que eu podia disputar sub júdice, mas o ministro Barroso (Luís Roberto) não permitiu com base na lei da ficha limpa.
Aqui é preciso relembrar que Ortega prendeu seus adversários sem julgamento e sem processo. E que a ONU não decide sobre quem pode ou não concorrer. Lula comemorou a aprovação da Lei da Ficha Limpa e a sancionou, sem imaginar que um dia seria barrado por ela.
ALIÁS
Lula não respondeu sobre quem são os homens fortes de um eventual futuro governo, depois que o núcleo mais próximo dele foi preso ou teve de se afastar. Embora José Dirceu siga operando nos bastidores, não tem como ser ministro. Antonio Palocci, o poderoso ministro da Fazenda, virou delator e seu carrasco na Lava-Jato.
Implosão do teto
Em meio à torrente de palavras do ex-presidente Lula na entrevista à Rádio Gaúcha, uma das respostas tem potencial para provocar abalo no mercado financeiro se ele for eleito: o fim do teto de gastos.
Lula disse que teto é coisa de quem não sabe governar e que sua preocupação é com a Lei de Responsabilidade Social. Lembrou que o presidente Jair Bolsonaro fura o teto a toda hora.