O direito de não produzir provas contra si, garantido pelo Supremo Tribunal Federal, transformou o depoimento do empresário Carlos Wizard na CPI da Covid em um retumbante samba de uma nota só. “Eu me reservo o direito de permanecer em silêncio”, repetiu Wizard ao longo do dia, fosse qual fosse a pergunta, tivesse ou não potencial de produzir prova contra ele. Aliás, o conceito de “prova contra si” nunca foi tão elástico.
A CPI queria saber qual foi o papel do milionário no gabinete paralelo que orientava ao presidente Jair Bolsonaro em questões relativas ao enfrentamento da covid-19, mas ele se manteve no papel de estátua viva, oposto de seu estilo falastrão em defesa de tratamentos de ineficácia comprovada. Opinião furada sobre medicamentos não o incriminam. Wizard invocou o nome de Deus em vão, usou a Bíblia como escudo e debochou do país com um silêncio que também pode ser traduzido como “quem cala, consente”, já que abriu mão de contar a verdade.
O silêncio arrogante de Wizard contrasta com a língua solta do deputado Luís Miranda (DEM-DF), mas os dois têm um ponto de intersecção com o terceiro personagem que pode comprometer o futuro do presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo Ricardo Barros (PP-PR). Os três são expoentes do time Bolsonaro, todos próximos o suficiente para deter segredos que podem implodir o alicerce sobre o qual se sustenta um governo acossado por denúncias de negligência, omissão, equívocos e, agora, suspeito de acobertar atos de corrupção. Barros também é homem do centrão, aquele grupo para o qual, na campanha de 2018, o general Augusto Heleno arriscou-se a cantar “Se gritar pega centrão/ não fica um, meu irmão”.
Miranda não só fala pelos cotovelos, como tem o hábito de gravar conversas, o que sempre é preocupante para quem tem diálogos pouco republicanos com ele. O passado nebuloso do deputado depõe contra ele, mas só os ingênuos imaginam que tentativas de corrupção sejam reveladas por freiras carmelitas. Miranda e o irmão denunciaram ao presidente uma tentativa escancarada de desvio de recursos envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, cujo contrato foi suspenso na terça-feira pelo Ministério da Saúde por orientação da Controladoria-Geral da União. Se gravou ou não, Miranda faz suspense. Pode estar blefando, mas a reação de Bolsonaro indica que essa dúvida o presidente e seus filhos têm.
O risco Barros deveria ser conhecido por Bolsonaro quando o escolheu líder do governo na Câmara, um cargo mais cobiçado do que boa parte dos ministérios. Se, de fato, o presidente disse a Miranda que “isso só pode ser rolo do Ricardo Barros”, por que o manteve no cargo? Por que nomeou a esposa do deputado para o conselho de Itaipu Binacional, uma sinecura com a qual os governos costumam contemplar seus aliados?
Respostas para parte das perguntas em aberto serão dadas no depoimento de Barros, previsto para 8 de julho na CPI. Ele já disse que sabe se defender. É experiente, foi ministro da Saúde e pode ser considerado uma das raposas do Congresso. Se optar pela estratégia de ficar mudo, será um silêncio que fala.
Aliás
O caso do agora ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, acusado de pedir propina de US$ 1 por dose de vacina, pode ser apenas uma tentativa individual de levar vantagem, mas a obrigação dos integrantes da CPI é jogar luz sobre suas relações dentro e fora do governo.