No tempo em que a internet ainda engatinhava, em setembro de 1994, o então ministro da Fazenda de Itamar Franco, Rubens Ricupero, caiu por ter dito o que pensam, mas não confessam, pelo menos nove entre 10 homens públicos. O episódio entrou para a história como o “escândalo da parabólica”. Enquanto se preparava para entrar ao vivo no Jornal da Globo, Ricupero comentou com o apresentador Carlos Monforte: “Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.
O que nenhum dos dois sabia era que era que a conversa já estava sendo transmitida por meio do canal privativo de satélite da Embratel, acessível em milhares de casas por meio de uma antena parabólica.
Ricupero foi obrigado a pedir demissão, mais por ter dito que não tinha escrúpulos do que por confessar que os governos batem tambor para os sucessos e preferem esconder os fracassos. Caiu porque o Brasil estava às vésperas da eleição e ninguém do governo Itamar queria prejudicar o candidato Fernando Henrique Cardoso, que liderava as pesquisas. O efeito na eleição foi zero: Fernando Henrique ganhou no primeiro turno.
O que ocorreu na terça-feira (27) com os ministros Paulo Guedes e Luiz Eduardo Ramos aguarda semelhança na forma, mas o conteúdo tem maior potencial explosivo. Guedes e Ramos imaginavam estar numa conversa privada, enquanto aguardavam o início de uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar, sem saber que a transmissão já estava no ar.
— O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: 'Qual é o vírus? É esse? Tá bom, decodifica'. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor do que as outras — disse Guedes.
Além da informação imprecisa, já que a vacina Pfizer/Biontech foi desenvolvida na Alemanha, o ministro desqualificou a CoronaVac, que responde por mais de 80% das doses já aplicadas no Brasil, e esqueceu que a China fornece também os insumos para a Fiocruz produzir a Oxford/AstraZeneca.
Ao ser informado de que a reunião estava sendo gravada, determinou que aquele trecho não fosse ao ar, mas era tarde: o conteúdo estava sendo transmitido ao vivo. À noite, Guedes remendou com a explicação e que usou uma “imagem infeliz” e que sua única intenção era falar da importância do setor privado na produção de vacinas. Para tentar desfazer o mal estar com os chineses, contou que foi vacinado com a CoronaVac e que já tomou as duas doses.
Pelo potencial de dano nas relações com a China, a frase ganhou mais destaque do que outra, que trata os idosos como um peso morto. Na mesma reunião, Guedes disse que a longevidade dos brasileiros se tornou um problema para as contas públicas: "Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130. Não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar”.
É fato que a maioria dos brasileiros gostaria de viver mais, mas são poucos os que comemoram o centenário. Ainda que do ponto de vista econômico o ministro tenha dito uma verdade, a declaração é desumana. O aumento da expectativa de vida é uma conquistas das sociedades civilizadas. Deveria ser motivo de comemoração.
No caso do general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, ter dito que se vacinou “escondido” poder ser, com boa vontade, incógnito, como um cidadão comum que entra na fila sem invocar privilégio. Ou, o que ficou parecendo na manifestação, escondido do chefe, o presidente Jair Bolsonaro, que não se vacinou e em diferentes ocasiões desdenhou da vacina.
Seja como for, não tem a mesma gravidade do que disse o ministro da Economia, até porque sobram atenuantes para Ramos: no resto do discurso ele faz a defesa enfática da vacina para salvar vidas e recomenda que Bolsonaro se imunize.
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