A cada nova revelação sobre os bastidores do convite à cardiologista Ludhmila Hajjar para ser ministra da Saúde, formalmente recusado na manhã de segunda-feira (15), fica mais evidente a falta de norte do governo Jair Bolsonaro na área mais crítica de seu governo. Pressionado a demitir o ministro Eduardo Pazuello como boi de piranha para tentar se desvincular da catástrofe produzida por ação e omissão do governo, Bolsonaro cometeu uma sequência de erros que expõem seu despreparo. Para piorar, o episódio mostrou a força as milícias digitais, que partiram para o ataque à ex-futura-ministra e deram a ela a certeza de que não deveria embarcar numa canoa furada.
O primeiro erro foi chamar a médica para conversar sem se inteirar das ideias dela sobre a pandemia, que são públicas. Ludhmila é a favor da ciência, não acredita em tratamento precoce, defende o distanciamento social e o uso de máscara e não descarta lockdown em casos excepcionais.
Como se fosse um recrutador que entrevista candidatos para um cargo qualquer, Bolsonaro constrangeu Ludhmila ao sabatiná-la na presença de Pazuello, o quase ex-ministro, e do filho Eduardo Bolsonaro, um dos zeros que gravitam à esquerda e à direita do presidente, como se para governar tivessem sido eleitos.
A equipe do site Poder 360 apurou que uma das perguntas e Eduardo para a médica que chegou a Brasília muito bem recomendada para ser ministra da saúde foi o que ela pensava sobre... armas e aborto. Ludhmila teria respondido que o assunto armas é das Forças Armadas e da Polícia mas que, pessoalmente, não simpatiza com a ideia de armar a população. Sobre o aborto, não se sabe o que respondeu.
O mesmo Poder 360 revelou que a certa altura da “entrevista”, depois de questionar a médica sobre o que pensa da cloroquina e do lockdown, Bolsonaro teria dito, com a elegância de sempre: “Você não vai fazer lockdown no Nordeste para me f... e eu depois perder a eleição, né?”.
Se saiu do Alvorada com alguma disposição para ser a quarta ministra da Saúde em dois anos e três meses de governo, Ludhmila mudou de ideia ao colocar os prós e contras na balança. Os zumbis resgataram antigas manifestações dela a favor do isolamento, contra o uso de medicamentos sem eficácia comprovada para tratar a covid-19 e partiram para o ataque nas redes sociais. Ela mesma contou que desconhecidos tentaram invadir o hotel em que ela estava hospedada em Brasília e foram contidos pela segurança.
Profissional de sucesso, respeitada pelos pacientes e pelos colegas de profissão, a médica poupou-se de repetir a trajetória de Nelson Teich, que substituiu Luiz Henrique Mandetta e só se deu conta de onde havia se metido depois de tomar posse. A expressão de choque no vídeo da primeira reunião ministerial e que participou indica que ali Teich percebeu que não teria como continuar.
Ludhmila não precisou ser nomeada para entender que Bolsonaro não quer um ministro da Saúde que pense e se paute pela ciência. Quer outro Pazuello, que repita o mantra “um manda, o outro obedece” e concorde que tudo o que foi feito até agora pelo governo está certo, mas tenha o apoio do centrão e uma boa imagem pública.
Cedo ou tarde Pazuello será descartado como produto vencido, porque assim deseja o centrão. Ele mesmo já admitiu que Bolsonaro avalia nomes para seu cargo. O general será demitido pelo capitão e talvez ganhe algum prêmio pela lealdade, mas o desfecho respingará na imagem das Forças Armadas.
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