A cardiologista Ludhmila Hajjar rejeitou ser a quarta chefe do Ministério da Saúde em plena pandemia. A médica alegou motivações "técnicas" e disse que tem "divergências" com o presidente Jair Bolsonaro em temas como uso de medicamentos do "kit covid", como cloroquina, ivermectina e azitromicina, adoção de medidas mais restritivas e até um lockdown para reduzir a circulação do coronavírus.
Ludhmila se reuniu no domingo (14) com Bolsonaro e comunicou nesta segunda-feira (15) a sua decisão, em novo encontro no Palácio do Planalto.
— Assuntos como cloroquina, como se acredito em lockdown, são secundários, não deveriam estar sendo discutidos. Lockdown é demonstrado cientificamente que salva vidas — disse a médica à CNN.
— Até o momento, o Brasil errou no combate à pandemia. Precisa de uma virada de entendimento, de ações — emendou.
Segundo ela, o país hoje "paga o preço, correndo atrás de uma maneira tardia, com muita gente morrendo":
— Faltou um discurso único de alinhamento. Faltaram de fatos medidas eficientes e agora precisa mudar.
Para ela, o perfil ideal para o novo ministro é alguém que compreenda de saúde pública, tenha vivência na área e que ao mesmo tempo seja uma pessoa hábil para unir o Brasil.
Ludhmila já havia comunicado a autoridades que defendiam seu nome que não aceitaria o posto ocupado atualmente pelo general Eduardo Pazuello. Ela recebeu apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Auxiliares do presidente viram a nomeação da cardiologista como uma chance de mudar a narrativa sobre a pandemia. O governo Bolsonaro está sob pressão pela alta de mortes, explosão de internações e atrasos na campanha de vacinação.
Na reunião com o presidente, segundo interlocutores, ficou claro que a médica e o presidente têm visões opostas sobre a resposta à covid-19. Bolsonaro é um defensor de medicamentos sem eficácia, como a cloroquina, tratamento que a médica critica abertamente. Para aceitar o cargo, ela também tinha a intenção de montar uma equipe própria na pasta, mas o presidente mantém controle sobre as ações da saúde na pandemia.
As conversas sobre a substituição de Pazuello ganharam força no fim de semana. Ainda são cotados para o cargo nomes como o do deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), aliado de Lira, e o médico Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). A leitura de uma autoridade que acompanha as discussões é que ambos devem receber apoio do Congresso e de auxiliares do presidente, mas podem parar no filtro de Bolsonaro ao cargo — pois também têm opiniões distintas às do presidente sobre o combate à pandemia.
A saída de Pazuello da Saúde foi um dos pontos tratados em reunião de Bolsonaro com o próprio general, além dos ministros Braga Neto, da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Fernando Azevedo, da Defesa, no sábado (13).
Para além da pressão do Congresso, a inviabilidade de Pazuello no cargo passa, ainda, pelas investigações do Supremo Tribunal Federal, que apura seus atos e eventuais responsabilidades pela crise generalizada no sistema de saúde. Ao deixar de ser ministro, Pazuello perde, inclusive, o foro privilegiado e o caso deverá ser encaminhado para a primeira instância da Justiça Federal.
Oficialmente, o governo deve alegar que Pazuello está cansado e que pediu para ser substituído. Em nota no fim da tarde de domingo, porém, o general disse que segue ministro e que não está doente, como chegou a ser ventilado: "não estou doente, não entreguei o meu cargo e o presidente não o pediu, mas o entregarei assim que o presidente solicitar. Sigo como ministro da Saúde no combate ao coronavírus e salvando mais vidas".
Pressões
— Muitos de nós já prescrevemos cloroquina, até que fomos lidando com resultados e estudos mostraram a não eficácia — disse Ludhmila, criticando a ausência de protocolos médicos elaborados pelo Ministério da Saúde sobre o tratamento da covid-19.
Ela reforçou que o enfrentamento da pandemia deve deixar de ser algo político:
— Não é de um governo estadual, federal, é de todos.
Pazuello também participou da conversa entre a médica e Bolsonaro.
— Pazuello se colocou à disposição de quem quer seja o próximo a assumir a cadeira — disse.
A médica disse ainda ter sofrido ameaças desde que seu nome foi cotado para assumir a vaga:
— Eu recebi ataques, ameaças de morte que duraram a noite, recebi tentativa de invasão no hotel que eu estava, fui agredida, áudios e vídeos falsos com perfis, mas estou firme aqui e vou voltar para São Paulo para continuar a minha missão que é ser médica — disse.