O jornalista Paulo Egídio colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
Tensionadas naturalmente pela previsão constitucional de independência entre os poderes, as relações entre o Judiciário e os políticos sofreram abalos durante a pandemia, com reações e críticas pesadas às decisões que alteraram as regras sobre restrições e liberações de atividades econômicas. O episódio mais recente diz respeito à decisão da juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, que anulou as flexibilizações previstas no decreto do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, e determinou que a Capital volte a seguir as regras do modelo de distanciamento controlado impostas pelo governo do Estado. A liminar, concedida no sábado (27), foi mantida em segunda instância na madrugada deste domingo (28).
Em outros casos, como na suspensão da cogestão entre o Estado e as prefeituras (já revertida em segundo grau) e o impedimento à realização de aulas presenciais (liminar ainda em vigor), não faltaram reclamações, ataques e até mesmo ofensas contra magistrados.
O ápice da tensão ocorreu no final de semana anterior, quando o Tribunal de Justiça teve de mobilizar sua segurança para dar guarida ao juiz Eugênio Couto Terra, que decidiu suspender a gestão compartilhada do distanciamento controlado. Furiosos com o despacho, vereadores, deputados e outros ocupantes de cargos públicos emitiram críticas pesadas e, em alguns casos, tentaram constranger o magistrado em publicações nas nas redes sociais. Em menor grau, o fenômeno se repetiu neste final de semana com a juíza Lourdes Helena Pacheco. A postura desses políticos motivou alguns militantes, escorados no anonimato das redes sociais, a ofenderem e questionarem a índole dos juízes.
Presidente do conselho de comunicação do Tribunal de Justiça, o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira reconhece que a pressão sobre o Judiciário aumentou na pandemia e afirma que eventos de tensão "são normais em tempos de crise". Silveira lembra que os magistrados sempre agem por provocação de quem ingressa com a ação e pondera que, por envolver conflito de interesses, as decisões sempre vão gerar descontentamento.
— O questionamento, a crítica e o descontentamento com uma decisão judicial são normais na democracia, inclusive o sistema permite que as decisões sejam revistas por outros magistrados. O que não pode ocorrer é a intolerância, o extremismo, o inconformismo intolerante. Todos têm direito de questionar uma decisão, mas não se pode admitir o radicalismo e a ameaça direcionados a prejudicar as pessoas — pondera o desembargador.
Aliás
Não raro, políticos que esperneiam contra decisões monocráticas que contrariam seus interesses são os primeiros a bater na porta do Judiciário quando não conseguem resolver conflitos no terreno da política.