Foram necessários dois anos, três meses, uma catástrofe sanitária e a pressão da Câmara, do Senado e de empresários para o presidente Jair Bolsonaro, enfim, se livrar da antidiplomacia de Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores.
Desde os primeiros meses de 2019, Araújo vinha constrangendo o Itamaraty, mas o presidente mantinha o ministro com o aval da ala ideológica do governo, dos filhos e do guru Olavo de Carvalho. O centrão, que entrou para garantir a necessária sustentação no Congresso, pediu e levou a cabeça do ministro.
A narrativa oficial de que Araújo pediu demissão só convence quem não acompanhou a derrocada nas últimas semanas. Depois do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, os aliados do governo na Câmara exigiram a cabeça do chanceler, considerado um dos responsáveis pelo atraso nas negociações para a compra de vacinas contra a covid-19 e de insumos.
No fim de semana, quando resolveu atacar a senadora Kátia Abreu, Araújo já sabia que seu tempo no cargo acabara. Tentou criar um factoide para alimentar as redes sociais bolsonaristas com uma narrativa tão bizarra quanto outras intervenções desastradas em relação à China, que mostraram seu despreparo para o cargo.
A ideia amalucada de que os senadores estão "vendidos" para a chinesa Huawei na disputa pelo 5G está sendo usada na redes como pretexto para a demissão, cujo motivo real, ainda que não reconhecido pelo presidente, é a insuficiência de desempenho. No caso do 5G, o que os senadores pedem é que a China não seja excluída da concorrência, até por se tratar do maior parceiro comercial do Brasil.
A queda de Araujo não servirá para estabelecer a normalidade no Itamaraty se o presidente Bolsonaro continuar permitindo que os filhos se metam em negócios de Estado. O deputado Eduardo Bolsonaro, que tentou, sem sucesso, ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, age como uma espécie de chanceler paralelo, ao lado de Filipe Martins, aquele que fez o símbolo dos supremacistas brancos quando Araújo falava no Senado, semana passada.
O Ministério das Relações Exteriores precisa de um ministro que tenha a dimensão do tamanho e da força do Brasil, sem cultivar ideias toscas, como a de que é bom ser pária internacional. Porque não é. Quem faz negócios com o Exterior sabe que em nada ajuda para melhorar o ambiente de negócios a imagem de um país relapso com a pandemia que afeta todo o planeta.
Quem assumir o comando do Itamaraty terá, primeiro, de conquistar a confiança dos diplomatas de carreira e reconstruir as pontes que Araújo implodiu. De sua parte, Bolsonaro terá de demitir os ministrinhos paralelos que gravitam no seu entorno, ignorando que quem não ajuda faria muito bem se não estorvasse.