Pressionados a acelerar a imunização contra a covid-19 diante do envio de doses a conta-gotas pelo governo federal, prefeitos e governadores — entre eles o gaúcho Eduardo Leite — começaram a negociar diretamente com laboratórios a compra direta das vacinas. No entanto, apesar de mobilizações e manifestações de interesse, até agora nenhum Estado ou município adquiriu os imunizantes por conta própria.
A disposição esbarra em dois empecilhos, que não foram sanados com a decisão do Supremo Tribunal Federal quando autorizou a importação de vacinas por prefeituras e governos estaduais. São eles: a dúvida sobre a possibilidade de aplicação no próprio território, de forma autônoma, e a incerteza sobre a garantia de que as doses contratadas serão entregues no prazo adequado.
A decisão do Supremo garante que os entes federativos podem comprar as vacinas caso a União descumpra o plano nacional de vacinação ou "não proveja cobertura imunológica tempestiva e suficiente contra a doença". Afinal, o que seria uma cobertura imunológica "tempestiva e suficiente"?
Essa subjetividade deixa em aberto a possibilidade de que, caso algum Estado ou município adquira os imunizantes, todas as doses sejam requisitadas pelo Ministério da Saúde assim que desembarcarem em território nacional, para que sejam incluídas no plano nacional de vacinação. Na reunião com o fórum de governadores em 17 de fevereiro, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, defendeu que toda vacina que entrar no país seja destinada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Essa possibilidade suscita nos gestores locais o risco de "rasgar dinheiro". Ou seja: comprar uma vacina que terá de ser repassada integralmente ao Ministério da Saúde.
Outra incerteza que acomete os prefeitos e governadores é a viabilidade real de entrega das doses negociadas com os laboratórios. Os executivos da Pfizer, que estão em tratativas com governadores sobre o assunto, deixam claro que podem voltar a negociar com o governo federal a qualquer momento.
Sem contar que a empresa deixou de entregar imunizantes no prazo combinado a países da União Europeia, como Suécia e Dinamarca, e chegou a ser processada pelo governo da Itália pela demora no envio das doses.
Também há registro de atraso na distribuição do imunizante produzido pela Astrazeneca em parceria com a Universidade de Oxford e da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, que culpou a falta de planejamento do Ministério da Saúde.
Além da Pfizer, o governador Eduardo Leite já abriu negociações com a União Química, fabricante da Sputnik V, e com a Janssen (grupo Johnson & Johnson). Esta última tem a vantagem de ser aplicada em dose única, mas, das três, só a Pfizer já tem registro na Anvisa. Nas reuniões de governadores, o tom é de que o governo federal deve ampliar a oferta ou autorizar em definitivo os Estados a comprarem e imunizarem a sua população.
O governador do Paraná, Ratinho Júnior, que em 2020 negociou a compra da Sputnik V, espera pelo cumprimento da promessa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) de elaborar um projeto de lei autorizando União, Estados e municípios a assumirem os riscos da compra de vacina.
As doses da Pfizer, por exemplo, não foram adquiridas pelo Ministério da Saúde sob a alegação de que o laboratório americano exige se isentar de possíveis efeitos colaterais na aplicação do imunizante e que só aceitaria ser processado em tribunais dos Estados Unidos.
Aliás
A Frente Nacional dos Prefeitos formará um consórcio para a aquisição de vacinas. Segundo o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, o plano é de que as doses adquiridas sejam incluídas no PNI. Melo enviará à Câmara no início da semana um projeto autorizando o remanejamento orçamentário para participar do consórcio.