De olho no calendário eleitoral, os vereadores que trabalham pelo impeachment do prefeito Nelson Marchezan foram com tanta sede ao pote que acabaram tropeçando nas próprias regras da Câmara e deram margem para a defesa conseguir liminar suspendendo o processo. Ainda que se trate de uma decisão provisória, que pode ser mudada no julgamento do mérito ou derrubada em recurso ao Tribunal de Justiça, a liminar escancara o que ficou evidente desde a votação da abertura do processo: houve atropelamento de prazos e ritos.
A liminar não significa que Marchezan estará livre do impeachment e da consequente cassação dos direitos políticos por oito anos. É uma decisão precária, mas, graças a ela, o prefeito ganha folga na corrida contra o tempo em que a disputa se transformou. Para que o mandado de segurança seja julgado numa câmara do Tribunal de Justiça, os vereadores Reginaldo Pujol (DEM), Hamilton Sossmeier (PTB) e Alvoni Medina (Republicanos) terão de responder às questões levantadas ou tentar derrubar a liminar.
O prefeito comemorou a decisão, mesmo sabendo que é provisória, e alfinetou os vereadores:
— Estão com tanta angústia e pressionados pela proximidade da eleição que acabaram se atrapalhando. Por mais que tudo seja movido a interesses pessoais, e que o impeachment seja um processo político, um mínimo de base legal tem de ter.
No despacho, o juiz Cristiano Vilhalba Flores escreveu: “A urgência da medida é evidente, pois o processo tem sido célere, sendo que, se concedida somente ao final, a medida pode já ter perdido seu objeto, além de poder propiciar movimentação Legislativa dispendiosa, desgastante e que poderá ter de ser repetida”.
Na sexta-feira (28), quando a comissão processante votou pela continuidade do processo, sem permitir sequer que o advogado Roger Fischer, defensor de Marchezan, levantasse questões referentes ao rito, abriu margem para a contestação judicial.
"Estão com tanta angústia e pressionados pela proximidade da eleição que acabaram se atrapalhando"
NELSON MARCHEZAN
após decisão que suspendeu processo de impeachment
A OAB-RS emitiu nota de repúdio (leia abaixo), sustentando que o comportamento do presidente da Comissão, Hamilton Sossmeier, feriu o Estatuto do Advogado, cerceando o direito de defesa.
No final da tarde daquele dia, quando se manifestou sobre a decisão da comissão, Marchezan apontou os furos e deu a letra de que recorreria o Judiciário. Outros embates judiciais já estão alinhavados.
Na ação, Fischer apontou outro elemento que mostra a mudança de interpretação, pela própria Câmara, sobre o rito do impeachment. Ao colocar em votação a admissibilidade do pedido, o presidente da Câmara, Reginaldo Pujol, furou a fila. O regimento da Câmara diz que o processo tem prioridade, desde que não haja projetos em regime de urgência trancando a pauta.
Esse argumento, aliás, foi usado pela própria Câmara para colocar em votação outro processo de impeachment de Marchezan, em 2018, quando o presidente era Valter Nagelstein (PSD).
Aliás
Se algum vereador apostou nas antigas divergências de Marchezan com o Judiciário, imaginando que os juízes decidiriam com o fígado na hora de julgar uma ação do prefeito, mostrou que não conhece a integridade dos magistrados gaúchos, que julgam com base na lei.
Leia a nota emitida pela OAB-RS:
"A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio Grande do Sul, repudia veementemente a restrição arbitrária ocorrida na tarde do dia 28/08/2020, sofrido pelo Advogado Roger Fischer, OAB/RS 93.914, na figura do Sr. Hamilton Sossmeier, Presidente da Comissão Processante, em uma Sessão da Câmara Municipal de Porto Alegre. Repudiamos completamente qualquer ato que atente contra o exercício constitucional da advocacia, dentro de um Estado Democrático de Direito.
Esclarecer “pela ordem”, expressão consagrada na praxe forense, tem o objetivo de garantir a melhor forma da justiça, não podendo ser balizada a intervenção do advogado em tom visivelmente restritivo, como pelo eminente presidente da Comissão Processante daquela corte. A advocacia é função essencial à justiça, a rejeição, na apreciação de questão de ordem, negando a fala do advogado antes mesmo que dissesse qual era a questão de ordem, independentemente de eventuais divergências sobre a questão entelada, na exata configuração do episódio veiculado, encerra desrespeito à função exercida pelo advogado, podendo inclusive caracterizar violação da lei contra o abuso de autoridade, Lei nº 13.869/19, norma que referenda condutas excessivas por parte de servidores públicos e autoridades de destacada relevância no contexto social.
O presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, afere que o advogado é indispensável à administração da Justiça, e nada justifica a transgressão do direito constitucional imposta ao colega no exercício profissional. Breier asseverou que a OAB/RS, através da Comissão de Defesa e Assistência das Prerrogativas dos Advogados, atuará fortemente em defesa da liberdade do exercício profissional. “Não vamos aceitar restrições arbitrárias às nossas prerrogativas. O ataque a um advogado representa o ataque a todos os advogados gaúchos”, destacou Breier.
A Presidente da Comissão de Defesa e Assistência das Prerrogativas dos Advogados, Karina Contiero, esclarece que “o direito de exercer a defesa plena de seu outorgante, através do uso da palavra, pela atuação com autonomia e independência, é garantia da cidadania, ali representada pelo causídico, inarredável. Tal mister se dá em função da defesa da liberdade do exercício profissional. Assinala que o estreitamento da prerrogativa profissional da palavra pela ordem fere categóricos preceitos do Estatuto da Advocacia, inadmissível quando se apresenta numa Sessão da Câmara Municipal de Porto Alegre, como visto nesta data”.
Repudiamos completamente qualquer ato que atente contra o exercício constitucional da defesa, guarnecido por Legislação Federal à função prestada pelo advogado, onde se encontre atuando.
A Lei Federal, 8.906/1994: 'Artigo 7º: São direitos do advogado: (...) X —usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas; XI —reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento'.
É absolutamente inaceitável afastar o ordenamento jurídico, tendo em vista o importantíssimo papel que o advogado desempenha na sociedade e na obtenção da Justiça.
Nada justifica tais ataques à advocacia e ao estado de direito em que vivemos, que não permite o desforço próprio, e as insatisfações devem ser deduzidas no campo adequado, com respeito, inclusive, à jurisdição. A OAB/RS manifesta solidariedade, bem como acompanhará o rumo dos desdobramentos do caso."