Há uma curiosa sincronia nos argumentos de prefeitos e empresários indignados com o fato de quatro regiões do Estado terem passado para a bandeira vermelha, com ampliação de restrições. Enquanto as bandeiras oscilavam entre o amarelo e o laranja, o modelo de distanciamento controlado do governador Eduardo Leite era aplaudido como inovador. Bastou os indicadores mostrarem o agravamento da situação, impondo a bandeira vermelha, para prefeitos ameaçarem com rebelião e empresários de diferentes setores emitirem notas parecidas, reclamando de insegurança para os empreendedores.
As bandeiras não podem mudar de cor por pressão política. Se ceder, Leite estará jogando a toalha e jogando fora o trabalho “baseado na ciência”, que serviu de modelo para outros Estados.
Os prefeitos que não cumprem medidas sanitárias determinadas para conter a propagação de uma doença altamente contagiosa cometem crime contra a saúde pública. Não adianta dizer, como fez o prefeito de São Gabriel, Rossano Gonçalves, em entrevista à Rádio Gaúcha, que eventuais mortes por falta de leitos de UTI devem ser debitadas na conta do governo estadual ou do federal.
Se um prefeito descumpre decreto do governador, afrouxa as restrições e a transmissão aumenta, é dele que os cidadãos devem cobrar se faltar vaga em UTI. É ele que terá de se entender com o promotor, porque na interpretação do Ministério Público os prefeitos têm autonomia para restringir mais do que previsto no decreto estadual, não para afrouxar.
Uma das reclamações de prefeitos e empresários é a inclusão da previsão de demanda por leitos de UTI nos próximos 15 dias, feita com base na velocidade de crescimento das internações. A Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) quer que o governo defina o nível de risco apenas a partir dos dados do passado, como era no início, e só utilize as previsões para emitir alertas recomendações, “sem impor medidas regionais de retrocesso para a saúde pública e para a sociedade”.
Não está claro por que seria um “retrocesso para a saúde pública”, se o foco é exatamente evitar o colapso nos hospitais, como vem ocorrendo em outros Estados, com pessoas morrendo por falta de respiradores.
Nada garante que o prejuízo econômico seria evitado se não houvesse restrições às atividades do comércio, da indústria e dos serviços e as mortes disparassem. Os países que melhores resultados tiveram no enfrentamento ao coronavírus adotaram restrições — em muitos casos mas severas do que as do Rio Grande do Sul — e retomaram as atividades aos poucos.
É legítima a preocupação com a quebra de empresas, o desemprego e a recessão. Ninguém ganha com a economia parada, muito menos os prefeitos e governadores. No setor público, a queda da arrecadação impede a execução de obras, ameaça o pagamento de salários, atrasa a concretização de projetos. Dizer que alguém pode ter ganho político com as medidas restritivas é ignorância ou má fé.