A rebelião decidida no domingo pelos prefeitos da Fronteira Oeste que se negam a aceitar a bandeira vermelha do modelo de distanciamento controlado é um risco para o Rio Grande do Sul inteiro (veja mapa abaixo). Contrariando os que achavam que o pior já havia passado ou que o Estado, por razões geográficas, estava protegido, o coronavírus se espalhou, aumentando a ocupação dos leitos de UTI, que no fim de semana chegaram a níveis alarmantes. O governador Eduardo Leite vai discutir a reação dos prefeitos na reunião do gabinete de crise, na manhã desta segunda-feira, mas a ideia da Procuradoria-Geral dos Estados é processar os prefeitos por descumprimento de medida sanitária.
Pressionados por empresários que alegam prejuízos irreversíveis, os prefeitos rebeldes decidiram afrontar o governador, a quem cabe olhar a floresta inteira. Se acham que o governo está errado, os prefeitos deveriam recorrer à Justiça em vez de simplesmente anunciar o descumprimento. A forma como reagiram dá margem a que o governo os processe.
Os prefeitos da Serra se reúnem nesta segunda-feira para avaliar se respeitam as restrições ou se seguem pelo mesmo caminho dos colegas da Fronteira, mas alguns já anunciaram que desrespeitarão as exigências da bandeira vermelha. No sábado, quatro regiões que estavam com bandeira laranja evoluíram para a vermelha, na qual apenas as atividades essenciais podem funcionar: Caxias do Sul, Santa Maria, Uruguaiana e Santo Ângelo.
O procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, disse à coluna que o Ministério Público vai atuar na linha do que vem fazendo até aqui:
— O Supremo Tribunal Federal garante autonomia aos prefeitos para adotar medidas mais restritivas do que as estabelecidas pelo governo do Estado. Portanto, os que estão em bandeira vermelha não têm poder para desobedecer deliberadamente as regras estaduais. Hoje às 16h nós vamos nos reunir com os promotores de Justiça que estão atuando nas regiões de bandeira vermelha para ver quais as ações cabíveis na esfera cível e da improbidade, sem prejuízo da instauração do processo criminal.
Antes disso, Dallazen pretende conversar com os prefeitos para buscar as explicações. O procurador diz não acreditar que, deliberadamente, eles descumpram o decreto estadual.
Sempre ficou claro que o modelo de distanciamento controlado funcionaria na base do “afrouxa e aperta”, de acordo com critérios técnicos. Na primeira semana, duas regiões estavam com bandeira vermelha (Passo Fundo e Lajeado). Nas seguintes, o Estado inteiro ficou em amarelo ou laranja. A reabertura das atividades econômicas, mesmo com protocolos específicos para cada setor, provocou aumento da demanda por leitos de UTI. O governo apelou aos prefeitos e à sociedade em geral para que adotassem cautela, mas o vírus se espalhou. Quem se responsabilizará pelas mortes decorrentes da falta de leitos de UTI, se o número de casos graves explodir? A tragédia que está ocorrendo no Amazonas, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte, para ficar com três Estados em que as pessoas estão morrendo por falta de respiradores, nada ensinou aos prefeitos gaúchos que se rebelaram.
É legítima a preocupação com a perda de empregos e de receita, mas o que a realidade mostrou em outros países é que a liberação precipitada não ajuda a economia. Ao contrário: se as mortes disparam, leva mais tempo para o voltar ao normal, com maiores prejuízos para toda a região.