O segundo outono do governo de Jair Bolsonaro combina uma série de elementos que formam a “tempestade perfeita”, aquela crise que pode resultar em um processo de impeachment ou empurrar um presidente fraco para a renúncia. Não bastassem as 1.179 mortes pelo coronavírus registradas em 24 horas (mais um trágico recorde no momento em que o Brasil está sem titular no Ministério da Saúde), o presidente se enreda a cada dia mais na trama da interferência na Polícia Federal.
Os fatos novos do fim de semana, com a entrevista-bomba do empresário Paulo Marinho, e desta terça-feira (19), com o novo depoimento do ex-superintendente da PF no Rio Carlos Henrique Oliveira, adicionam nitroglicerina ao coquetel de más notícias para o presidente e sua família.
A descoberta de que o senador Flávio Bolsonaro usou R$ 500 mil do fundo partidário para pagar o advogado que o defende no caso da “rachadinha” e de suas ligações perigosas com Fabrício Queiroz mostra que o discurso da moralidade não passa de fachada. Explica, em parte, o desespero de Bolsonaro pai para colocar na PF do Rio um homem de sua confiança.
Relembrando: na entrevista, Marinho contou que em 2018, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição, Flávio foi alertado por um delegado da Polícia Federal de que estava para estourar a Operação Furna da Onça e que ele ficaria encrencado por ter em seu gabinete de deputado estadual o motorista Queiroz, com movimentações milionárias, e sua filha Nathalia, que repassava o salário para a conta do pai.
No dia 15 de outubro, Flávio demitiu os dois. A operação só foi deflagrada depois da eleição, para não interferir no resultado, segundo Marinho. Bolsonaro ganhou, mas o esqueleto ficou no armário e lá talvez tivesse continuado se não fosse a insistência em controlar a PF, gota d’água para a saída do ministro Sergio Moro.
Para piorar, o delegado Carlos Henrique, ex-superintendente do Rio que caiu para cima ao ser promovido ao cargo burocrático de diretor executivo da PF, pediu para depor novamente e contou que foi apresentado a Bolsonaro por Alexandre Ramagem, o amigo da família e ex-quase diretor-geral.
Mais de uma vez, Bolsonaro já mostrou que perde o equilíbrio quando os problemas envolvem os filhos. Só que o caso vai além de Flavio: quem está sob investigação da Procuradoria-Geral da República é o presidente. Marinho será ouvido no inquérito.
Bolsonaro não pode ser responsabilizado diretamente pelas mais de 17 mil mortes (há ainda 3.319 em investigação). Seu desgaste decorre da forma irresponsável como tratou a pandemia desde o início, debochando do vírus, promovendo aglomerações e criticando os governadores que tomaram providências para tentar evitar o colapso no sistema de saúde. Nem todos conseguiram evitar, mas é majoritária entre os cientistas a tese de que, sem o distanciamento social, o número de mortos seria muito maior.
Para completar o coquetel indigesto de Bolsonaro, dos Estados Unidos, seu ídolo Donald Trump avisa que poderá proibir a entrada de brasileiros no país. Embora os EUA tenham mais contaminados e mais mortos, o governo americano teme que os viajantes levem o coronavírus para áreas que já superaram o pior momento ou que saíram ilesas da primeira onda.