Durou menos de um mês o calvário do médico Nelson Teich no comando do Ministério da Saúde. Humilhado pelo presidente Jair Bolsonaro, que não aceitou seu apego à ciência em dois temas sensíveis — o distanciamento social e o uso indiscriminado da cloroquina, Teich pediu demissão para não comprometer sua biografia. Mais um para fazer companhia a Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro.
A queda de Teich começou a se desenhar logo depois da entrada no governo Bolsonaro. Desde o primeiro dia, o médico parecia um peixe fora d’água. Ficou claro que sua permanência era insustentável na última entrevista coletiva, quando foi informado pelos repórteres de que Bolsonaro assinara um decreto declarando como atividades essenciais os salões de beleza, as barbearias e as academias de ginástica.
Surpreendido pela informação, o ministro titubeou e produziu uma das imagens mais reveladoras da confusão que reina no governo Bolsonaro. Sem coisa melhor para dizer, Teich tentou naturalizar o decreto, dizendo que é prerrogativa do presidente definir os setores essenciais.
Essa foi a face visível do desrespeito com que o presidente tratou o médico nesta curta passagem pelo setor público. O que selou sua saída foram as divergências de ponto de vista com o chefe. Mesmo sendo um estreante no setor público e tendo dito “fui médico”, quando assumiu o ministério, Teich não tinha como renegar sua formação para satisfazer os caprichos do presidente, que quer acabar com o isolamento na marra, seguindo a lógica do ex-ministro Osmar Terra.
O agora ex-ministro, que na prática deu continuidade à política de Mandetta, planejava uma saída organizada do isolamento, levando em conta os mesmos fatores adotados no plano de distanciamento controlado no Rio Grande do Sul. Não teve tempo de apresentar o projeto que estava no forno. Na véspera de sua queda, o presidente participou de reunião virtual com empresários e os incitou a forçarem a porta para obrigar os governadores a liberarem as atividades econômicas.
Com a cloroquina, a situação foi parecida. Baseado em estudos que apontam as contraindicações do medicamento, principalmente para pacientes cardíacos, Teich bateu de frente com uma das convicções mais arraigadas de Bolsonaro, a de que não é preciso esperar a conclusão das pesquisas para receitar o medicamento a rodo.
No dia em que Teich assumiu, um mês depois do primeiro óbito por coronavírus, o Brasil ultrapassou a marca dos 2 mil mortos. Vinte e oito dias depois, são mais de 800 morres a cada 24 horas e mais de 14 mil vidas perdidas.
Seja quem for o substituto, é grande o risco de ser desmoralizado e de arrastar o Brasil para uma crise ainda mais profunda. O mercado financeiro, sempre sensível aos solavancos da política, sentiu o golpe. De imediato, a Bolsa, que vinha se recuperando, caiu, e o dólar voltou a subir.