No dia em que o Brasil bateu novo recorde de mortos - foram 474 em 24 horas - e ultrapassou a barreira dos 5 mil óbitos, superando os números oficiais da China, os Estados Unidos cogitaram cancelar os voos remanescentes entre os dois países. Não deixa de ser um puxão de orelhas no presidente Jair Bolsonaro, dado por seu ídolo Donald Trump, em nome da segurança dos americanos.
A cogitação de suspender os voos ocorreu em uma conversa de Trump com o governador da Flórida, Ron DeSantis, depois de o presidente dizer que o Brasil enfrenta “um surto sério de coronavírus”. Trump afirmou que o Brasil tomou um rumo diferente de outros países da América Latina no combate ao coronavírus e que os dados estão aí para mostrar o que aconteceu no Brasil.
É o roto falando do esfarrapado, considerando-se que nos Estados Unidos o número de mortos é 11 vezes maior. Já passou de 57 mil. A primeira ironia é que boa parte dos infectados no Brasil trouxe o vírus dos Estados Unidos. A segunda é que Trump e Bolsonaro tinham, no início da pandemia, o mesmo comportamento em relação ao vírus. Não só minimizaram a gravidade do problema, como criticaram as medidas restritivas adotadas pelos governadores.
O governador da Flórida sugeriu que as companhias aéreas façam restes rápidos e meçam a temperatura dos passageiros que embarcarem da América Latina para Miami. O problema é que os assintomáticos também transmitem o vírus.
Os números divulgados nesta terça-feira (28) são preocupantes por qualquer ângulo que se olhe, mas é o gráfico das mortes na linha do tempo que causam maior apreensão. Porque está se confirmando ao final de abril a “espiral ascendente” prevista pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta para maio e junho. A curva se assemelha à verificada na Espanha e na Itália - e a Organização Pan-Americana de Saúde diz que a América Latina está hoje no estágio da Europa seis semanas atrás.
Os 5 mil mortos são dados oficiais, mas a subnotificação é uma realidade, pela escassez de testes. A explosão das mortes por síndrome respiratória aguda grave, em comparação com o mesmo período do ano passado, atesta que os números reais são bem piores do que os divulgados diariamente pelo Ministério da Saúde com base nos relatórios das secretarias estaduais.
Aos dados sobre mortes e casos confirmados se soma a realidade da falta de vagas em UTIs e da ameaça de colapso no sistema funerário de capitais como Manaus.
O ministro da Saúde, Nelson Teich, que na desastrada estreia disse que o Brasil estava “performando” melhor do que qualquer outro país, sem considerar o estágio da pandemia em cada um, foi obrigado a reconhecer nesta terça-feira que há um agravamento da situação da coivid-19 em algumas regiões do país.
Bolsonaro, que tratou o coronavírus como “gripezinha” e “resfriadinho”, segue fazendo de conta que o problema não é com ele. Questionado sobre o fato de o Brasil ter ultrapassado o número de mortos na China, na noite desta terça, respondeu:
— E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias mas não faço milagre.
Antes, havia dito que o ministro da Saúde não é mais o mercador da morte.