Das cenas mais emocionantes que a TV mostra para quebrar um pouco a atmosfera sombria desses tempos de coronavírus, a que mais me toca é a de médicos, enfermeiros e auxiliares aplaudindo os pacientes que têm alta. Toca porque são eles que merecem aplausos, mas batem palmas (na Itália, na Espanha, no Brasil) quando uma pessoa se cura, seja uma velhinha que consideravam um caso perdido, seja um colega que escapou da morte.
Nesta quinta-feira, 24º dia de trabalho em casa, a cena de aplauso não veio pela TV. Recebi o vídeo no celular, mandando pela jornalista Elisa Ferraretto, incansável assessora do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porque sabe o quanto me comovem estas vitórias sobre o vírus, Elisa mandou o vídeo postado no Instagram para celebrar a cura de uma menina de 10 meses.
O texto dizia: “SUPERAÇÃO: passava das dez da noite do dia 8 de abril, quando o primeiro bebê no Hospital de Clínicas, curado da Covid-19, ganhou alta. Os profissionais da internação pediátrica saudaram a menina de 10 meses com aplausos no corredor. A mãe estava mergulhada em um sentimento de alívio e felicidade. “Mas, agora está tudo bem”, resume ela. A menina nasceu prematura e sofre de uma síndrome rara. Após a alta, a família embarcou na ambulância para uma viagem até a cidade onde mora, no interior do RS.”
Foi a coisa mais emocionante de um dia que, mais uma vez, girou em torno do binômio coronavírus-política. Na quarta-feira, o aplauso que me emocionou foi o dos colegas da técnica de enfermagem Mara Rúbia Cáceres, que morreu no Hospital Conceição - primeira profissional de saúde do Rio Grande do Sul a tombar em combate nesta guerra.
Hoje o presidente da República foi a uma padaria, desafiando novamente a orientação dos especialistas para ficar em casa. Nem teve muito destaque, porque a saidinha foi ofuscada por outra “treta”: o vazamento, por descuido ou intenção, de um diálogo conspirativo do deputado Osmar Terra com o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, interessados em derrubar o ministro da Saúde, Henrique Mandetta.
Ficou feio para os dois, mas quem se importa? Na ala bolsonarista que adotou a hashtag #ForaMandetta, Terra e Onyx viraram reis. Por serem os dois integrantes da bancada gaúcha, a hashtag que me ocorre é #VergonhaAlheia.
Pelo sim pelo não, quem organiza a entrevista das 17h com o balanço dos casos, das mortes e das ações do governo achou por bem não chamar Mandetta nem qualquer ministro. Só entraram os técnicos do Ministério da Saúde para informar que mais 141 morreram de covid-19 em 24 horas, elevando o total de óbitos para 941. Na quarta-feira, eram 800. Nova York tem mais ou menos esse número por dia. Nos Estados Unidos, são cerca de 2 mil mortos a cada 24 horas, na maior crise sanitária desde a gripe espanhola de 2018.
Nos boletins, os mortos viram estatística. São bolinhas no gráfico que mostra a evolução da curva. A imprensa ainda consegue dar biografia a alguns, mas a maioria more no anonimato e é enterrada ou cremada às pressas, sem velório e sem despedidas, para evitar o contágio.
No Rio Grande do Sul, os números indicam que as medidas restritivas estão dando certo, mas a pressão pela liberação das atividades econômicas é tamanha que, com lei ou sem lei, a impressão é de que o isolamento social está com os dias contados. Como a campanha para ficar em casa funcionou e não houve a temida explosão de casos, tem gente achando que a vigilância era desnecessária. Em breve, estaremos entregues à própria sorte.
A Páscoa é o nosso Ano Novo chinês. Em tempos normais, milhares de gaúchos viajariam para visitar parentes ou aproveitar o feriadão na praia ou na serra. Desta vez, a recomendação é ficar em casa, mas o movimento nas cidades e nas praias já aumentou. Título do filme imaginado: Flertando com o perigo.
Já ia esquecendo o livro que prometi sugerir para a quarentena e que não necessariamente precisa ter conexão com o isolamento, mas hoje indico O Amor nos Tempos do Cólera, que não deixa de ser um passeio pela cidade de Cartagena, tendo Gabriel García Márquez como guia.