O mais estranho de trabalhar em casa é não voltar para casa depois do trabalho, aquele ritual de discutir os assuntos do dia, contar as novidades, perguntar se correu tudo bem. No segundo dia de isolamento, o "coronômetro" que registra os casos confirmados de coronavírus no Brasil girou tão rápido que perdi a noção do tempo. Tantos fatos se sucederam nesta quarta-feira que ao final do dia fiquei com a sensação de que este é o terceiro ou quarto dia e não o segundo. Fatos demais, horas de menos e uma leve impressão de que a vida online exige mudança radical dos nossos modelos mentais.
Nas duas horas em que fico no ar no Gaúcha Atualidade, a família silencia. Todos caminham como se pisassem em ovos. No resto do dia, Luiz me mantém atualizada sobre os memes que e fazem sucesso no TikTok ou no Twitter entre os jovens entediados na quarentena recém-iniciada. Gostei particularmente de um certo Hugo Moura que diz: "Eu não tô chateado de ficar em casa... Só me espanta um pacote de arroz ter 8.927 grãos e o outro ter 8.995". A geração da Internet é criativa.
Do jeito que a coisa vai, não será preciso contar grãos de arroz nem bordar barrinhas de toalha em ponto cruz, um dos meus hobbies. Hoje não consegui ler sequer uma página de A Peste, porque toda a minha energia foi sugada pelos brutais fatos que envolvem a pandemia. O número de casos confirmados não para de aumentar. E isso que só são testados os que têm sintomas e viajaram para o Exterior. Hoje soubemos que no Rio Grande do Sul o vírus está entre nós e não nas apenas nos corpos dos viajantes. Transmissão comunitária é o nome que se dá ao fenômeno da contaminação em que não se identifica de quem a pessoa pegou o vírus.
Felizmente, ainda não foram registradas mortes no Estado (no Brasil são quatro no momento em que faço este registro). Mas as autoridades estão alarmadas, tomando medidas duras para conter a disseminação do vírus.
No meio do dia, parecia que nada era mais importante do que o diagnóstico do ministro Augusto Heleno, positivo para covid-19. Aí vem a entrevista da cúpula do governo usando máscaras cirúrgicas, numa pantomima que em tudo contradiz a orientação das autoridades sanitárias. Ficamos sabendo que mais um ministro está contaminado. É Bento Albuquerque, das Minas e Energia.
Acompanhei pela TV a entrevista e bota máscara-tira máscara-bota máscara do presidente Jair Bolsonaro e dos ministros. Parecia teatro, mas não era. Cada ministro falou das providências em sua área e Mandetta, hoje mais popular do que os demais colegas, arrematou. Com ar abatido, Bolsonaro reafirmou a convicção de que não fez nada de errado ao apertar a mão de manifestantes, no domingo passado.
O dia sem fim ainda teve Bolsonaro recapitulando as medidas ao lado do presidente do Senado, Dias Toffoli. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alegou outro compromisso para não sair na foto. Terminou? Ainda não: no início da noite a notícia de que o o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, "testou positivo" e está com a covid-19.
Na vida doméstica, uma nova fase está começando. Liberei a Ana, que faz os serviços domésticos, para que fique em casa com a família pelo tempo o que for necessário. Aqui teremos que instituir a "quarentena solidária", como fazíamos nas férias, quando eram crianças. Farta distribuição de tarefas domésticas, já que mamãe sabe fazer de tudo, mas não tem vocação para ser dona de casa.
Já tinha colocado o ponto final quando piscou na tela a chamada: "Positivo para coronavírus, senador Nelsinho Trad está na UTI". Não é só o dia: a noite das notícias pesadas também não tem mais fim. O senador, porém, está estável, em observação.