O despertador tocou no horário de sempre: 6h15min. Seria um dia igual a todos os outros, não fosse o primeiro em que, em vez de sapato, foi preciso escolher o chinelo para trabalhar. Tentei manter os hábitos para não cair na tentação de subverter a rotina. Mesma hora para o café, o banho, a leitura dos jornais e sites. Com o santo Access, minha participação no Gaúcha Atualidade teve som de estúdio.
Terminado o programa, resisti à segunda tentação, a de continuar a leitura de A Peste, o livro de Albert Camus que estou relendo para encontrar conexões entre o comportamento negacionista dos personagens de ficção com o dos homens e mulheres reais. Mantive o projeto da caminhada, como recomendam os médicos, porque o corpo precisa de exercícios e ainda não há recomendação para isolamento absoluto. Ar livre é saudável.
Andei pela rua. Já é perceptível a redução do movimento de carros. As lojinhas do bairro estão praticamente vazias. Exceção para as farmácias, onde o álcool gel é o produto mais demandado. Salões de beleza, que proliferaram nos últimos anos como saída para a perda do emprego, estão às moscas. A academia fechou. Como eu já tinha avisado que não iria nos próximos dias, fotografei a listinha de tarefas e terei de me superar num quesito em que sou péssima, a disciplina para os exercícios físicos. Os tempos são de desafios.
Depois do almoço, volta ao trabalho, agora com foco na coluna. Telefonemas, trocas de mensagens pelo WhatsApp, a atenção se alternando entre a TV, o computador e o telefone. Na TV, só dá coronavírus. A entrevista do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é assustadora: as próximas 20 semanas serão de estressse. Teremos espiral ascendente de casos em abril, maio e, talvez, junho, para atingir um platô em julho para retornar à normalidade em agosto ou setembro. Outono e inverno tenebrosos, para renascer na primavera. Projeções apresentadas pela secretária de Planejamento, Leany Lemos, a líderes políticos, empresariais e de instituições, partir de modelos matemáticos, mostram números preocupantes.
Último ato do dia uma conversa com o ex-ministro Osmar Terra, que à tarde publicou um post no Twitter dizendo: “evidente exagero das informações p criar pânico na população em relação ao coronavírus. É uma pandemia como as outras que ocorreram na últimas décadas, e com uma mortalidade igual ou menor. Não é caso de suspender aulas ou parar a atividade econômica. Sigamos as orientações do MS!”. Custei a acreditar, questionei se seu perfil havia sido invadido ou se tinha sido contaminado pelo vírus da negação. Escrevi que Terra estava na contramão das autoridades que estão adotando medidas restritivas. O ex-ministro não gostou. Por telefone, reafirmou que está havendo “exagero nas decisões políticas”. Condenou o fechamento de escolas e insistiu na tese de que a pandemia de coronavírus em nada difere de suas antecessoras. Divergimos. Respeitosamente.
Na família, cada um faz sua parte para se adaptar ao novo modelo de convivência. Sobrevivemos ao primeiro dia.
PS. Quando já dava o dia por encerrado, eis que o presidente Jair Bolsonaro volta a minimizar a gravidade do coronavírus e o compara a uma gravidez: "Um dia passa". Boa noite.