O jornalista Paulo Egídio colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
A articulação para a indicação do ex-ministro Miguel Rossetto (PT) para disputar a eleição municipal como vice na chapa de Manuela D’Ávila (PCdoB), revelada na quinta-feira (16) pelo jornal Valor Econômico, minou as negociações com o PSOL para a formação de uma frente ampla entre partidos de esquerda no primeiro turno.
Já incomodados pela resistência do PT em ceder o posto de vice e pela realização, em dezembro, de um “congresso do povo” entre deputados e dirigentes do PT e do PCdoB, os psolistas foram pegos de surpresa pela articulação em torno da chapa Manuela-Rossetto, que teria a chancela do ex-presidente Lula.
A deputada federal Fernanda Melchionna, pré-candidata do partido à prefeitura, lançou uma carta nesta sexta-feira (17) em que sustenta que a indicação de Rossetto é, na prática, “o encerramento das negociações e da possibilidade de confluência das distintas esquerdas” (leia a íntegra abaixo).
— Queremos a unidade, não o adesismo. Essa chapa prato feito é a imposição de um campo ao qual fizemos oposição durante 13 anos de governo (no plano federal) — afirmou Melchionna à coluna.
Embora o nome de Manuela seja considerado um ponto pacífico entre os três partidos, o tensionamento entre PT e PSOL para a indicação do candidato a vice se evidenciou nos últimos meses. O PSOL sempre defendeu que deveria ocupar a vaga por ser a “novidade” na composição, enquanto o PT sustenta que deve estar na chapa por ser o maior entre os três partidos.
Próximo de Rossetto, o secretário-geral do PT da Capital, Erick Kayser, afirma que o ex-ministro, que disputou o governo do Estado em 2018, conta com a simpatia de Lula e de outras lideranças, mas que a decisão oficial ainda não está tomada.
— O nome do Rossetto, tanto pela sua experiência política, quanto pela densidade eleitoral, tem ganhado força e poderá vir a ser apresentado como um nome para compôr os debates envolvendo a construção de uma frente eleitoral da esquerda em nossa cidade — disse.
O PT abriu prazo até o dia 27 de janeiro para que os integrantes do diretório apresentem nomes para compôr a chapa majoritária para a prefeitura. Segundo Kayser, o partido ainda não jogou a toalha e acredita na formação de uma frente eleitoral que envolva os partidos de oposição, mas aguarda a sinalização do PSOL para sentar em uma mesa comum de negociações.
Leia a carta divulgada por Fernanda Melchionna:
"Unidade não é adesismo: os mesmos métodos levam aos mesmos resultados
A eleição municipal de 2020, a primeira pós-eleição de Bolsonaro, será, na prática, um plebiscito sobre a agenda reacionária do governo. O resultado eleitoral em todo país em 2020 será um diagnóstico (ainda que distorcido pelas máquinas eleitorais e pelo poder econômico) da musculatura política e social que Bolsonaro terá para avançar ou não na restrição das liberdades e no aprofundamento da agenda econômica antipovo que tem em comum com Eduardo Leite e Nelson Marchezan.
A estratégia da extrema-direita é fechar o regime político por dentro do próprio sistema. Em 2019, levaram adiante esse plano, mas não tudo o que almejavam. Aliás, estão perdendo apoio graças à oposição social, principalmente da juventude, dos estudantes, das mulheres e do mundo cultural. Entretanto, na ausência de uma forte oposição política, sobretudo o fato de que os partidos com mais força da oposição não conseguem se apresentar como alternativa e novidade, Bolsonaro segue cavando e tentando se impor. Mas nós também estamos firmes e apostamos na razão e na vitória da luta. O povo não aceita a extrema-direita. E as eleições de 2020 serão uma batalha importante nessa luta.
Nesse cenário, o PSOL - que se construiu como uma esquerda autônoma e independente nos anos de governo do PT e do PCdoB - apresentou duas fórmulas que podem reunir e unificar os partidos e movimentos de esquerda em Porto Alegre. A primeira delas, já realizada em muitos países por distintas esquerdas, a construção de prévias. Por meio delas, ativistas, militantes, partidos e movimentos poderiam submeter seus nomes e suas propostas para resgatar Porto Alegre da desertificação neoliberal e dos governos que privatizam, restringem e desrespeitam direitos do povo.
Mais do que uma fórmula que permita reunir todos e construir uma chapa forte para enfrentar Marchezan, essa proposta é uma forma de chamar a cidadania a participar, empoderar a cidade, apostar na democracia real e fortalecer a disputa nos territórios. Uma das coisas que mais indignam as pessoas é que elas são consideradas objetos da política, não sujeitos. Os políticos tomam decisões importantes, que afetam diretamente a vida das pessoas, mas elas nunca são chamadas a decidir. Para enfrentar estes tempos, é preciso uma nova esquerda. Nova em forma e conteúdo para resistir à direita, mas também para propor um programa alternativo e de enfrentamento ao capitalismo e suas desigualdades.
A proposta de prévias seria fundamental nesse sentido. Desde 15 de maio, estamos defendendo isso. O PSOL, com quase 13% dos votos da eleição de 2016 através da candidatura de Luciana Genro, com uma bancada combativa de vereadores (Alex Fraga, Karen Santos e Roberto Robaina), com a liderança de oposição com Robaina em 2019, com uma figura pública com a capacidade e a história de Pedro Ruas e com a minha trajetória e votação significativa para deputada na Capital, não fugiu dessa responsabilidade. Mesmo sem respostas do PT e do PCdoB, seguimos insistindo na necessidade de avançar nas prévias ou em uma solução negociada para que se compusesse a chapa com as vertentes reais da esquerda.
Na ausência de respostas, por unanimidade partidária, meu nome foi indicado para concorrer às prévias ou à eleição municipal. Mesmo assim, sempre alertei que meu nome não seria empecilho para unificar as esquerdas. Ao contrário, pela minha experiência nas lutas da cidade e como líder da oposição em 2017, creio que a confluência sempre é possível. Mas confluência significa liberdade de crítica e de ideias e síntese nas proposições.
Para isso, um amplo processo de debate com a cidade e a confluência das esquerdas seriam fundamentais. Mas política é feita de gestos. O chamado de um Congresso do POVO - organizado pelo campo PCdoB e PT sem consultar e construir as bases para se avançar em método democrático e um programa alternativo para Porto Alegre - já é a demonstração de uma política. A notícia da indicação de Miguel Rossetto (PT) para compor a chapa como candidato a vice é, na prática, o encerramento das negociações e da possibilidade de confluência das distintas esquerdas. Uma política que fala em unidade mas exige adesismo a uma fórmula e uma chapa que expressam apenas um campo da esquerda. Para nós, a unidade é uma necessidade, mas unidade não é adesão. Menos ainda adesão a prato feito, fórmulas conhecidas e já experimentadas.
As velhas fórmulas de autossuficiência levarão aos mesmos resultados de 2018 ou mesmo 2016, quando direita e extrema-direita foram ao segundo turno. Uma nova esquerda precisa ser crítica e autocrítica, capaz de, sem arrogância e sectarismos, encontrar as sínteses necessárias para se reencontrar com o povo.
Porto Alegre precisa urgentemente revogar o conjunto de maldades implementado por Marchezan através de um resgate dos mecanismos de participação populares,
– Um governo do povo, sem privilégios e mordomias, com salários de prefeito e secretários alinhados com os salários dos professores da rede municipal;
– Um governo que combata a corrupção, fiscalizado por um conselho externo com plenos poderes para investigar. Prefeito e secretários que abram mão do sigilo bancário e fiscal e publicizem anualmente sua evolução patrimonial;
– Um governo ancorado na mobilização social, no qual a democracia direta seja o principal instrumento de tomada das principais decisões de interesse da cidade; que reconstrua e amplie os mecanismos de participação e devolva a autonomia e a deliberação para os conselhos e os recursos para os fundos municipais;
– Um governo que respeite e governe com o funcionalismo, revogue os ataques à carreira dos municipários, não atrase salários, crie uma empresa pública para manter o atendimento do PSF e os empregos dos trabalhadores do IMESF e abra diálogo permanente sobre condições de trabalho e salário.
Vamos, é claro, seguir batalhando pela unidade. Por isso, nossa proposta de prévias segue, assim como a disposição de sentar, conversar, buscar caminhos. Mas nossa luta por uma alternativa também passa por afirmar nossa candidatura."