O primeiro efeito do fracasso na operação de venda das ações do Banrisul é o fim da esperança dos servidores estaduais de receber os salários em dia até o final do ano. A promessa feita pelo governador Eduardo Leite antes de assumir e reiterada nos últimos meses fica praticamente impossível de ser cumprida, porque não há no horizonte nenhuma fonte de recursos extraordinários capaz de garantir o famoso "fluxo de caixa" para pagar os salários.
Quem conhece a situação das finanças do Estado tem convicção, desde o início, de que Leite se precipitou ao prometer pagar os salários em dia, principalmente por ter dado a entender que era uma simples questão de reorganização do fluxo de caixa. Não é. O problema do Rio Grande do Sul é estrutural.
Historicamente, o Estado gasta mais do que arrecada. Nos últimos anos, só fechou em azul no governo de Yeda Crusius. Yeda, aliás, fez dinheiro vendendo ações do Banrisul, uma operação bem-sucedida, realizada no momento em que o mercado estava favorável. O dinheiro, que deveria ter ficado "algemado" para uso exclusivo no sistema previdenciário, acabou liberado com aval da Assembleia e caiu na vala comum do custeio no último ano do governo.
Hoje, o mercado vive outro momento. O Banrisul é objeto do desejo de investidores, mas ninguém quer pagar o que o Piratini pedia pela fatia que colocou à venda e deixar o controle acionário — e a gestão — com o governo.
Com o agravamento da crise, vai aumentar a pressão do mercado e do governo federal pela venda do banco inteiro, hipótese que esbarra em resistências políticas e em uma exigência prevista na Constituição, de consultar os eleitores, em plebiscito. Há controvérsias em relação à legalidade dessa emenda, mas antes de questioná-la na Justiça, como já se especulou, o governo precisa tomar a decisão de quebrar uma promessa de campanha e colocar o banco à venda.
Faltando pouco mais de três meses para o final do ano, já é possível prever o replay do filme que os funcionários do Executivo protagonizam a cada dezembro ou início de janeiro: a corrida ao Banrisul para adiantar o 13º salário, operação que custa caro ao Estado. São cerca de R$ 150 milhões em juros pagos ao banco pelo seu controlador.
Por não pagar em dia, o governo também paga mês a mês uma compensação aos servidores. Esse socorro que o Banrisul dá aos servidores, emprestando dinheiro a taxas inferiores à dos bancos privados quando o governo atrasa salários, é um dos motivos da resistência à privatização do banco.
Sem uma mudança estrutural nos gastos, o que só ocorreria com a aprovação de medidas drásticas, é real o risco de o Estado vender o Banrisul, que é lucrativo, viver um período de bonança e, ali adiante, enfrentar problemas de caixa novamente, sem ter ativos para cobrir os rombos.
Relembrando, até o Plano Real o déficit do Rio Grande do Sul era ocultado pela inflação. Com a estabilização da moeda, ficou escancarado. Cada governo usou um artifício para cobri-lo.
Antônio Britto vendeu estatais (CRT e um pedaço da CEEE, principalmente), Olívio Dutra recorreu ao caixa único, Germano Rigotto usou depósitos judiciais, Yeda Crusius vendeu parte do Banrisul, Tarso Genro aprofundou os saques dos depósitos judiciais e José Ivo Sartori usou um conjunto de medidas dispersas para chegar vivo ao final do governo, mas atrasou salários desde o primeiro ano de governo e nunca conseguiu pagar o 13º em dia.
Eduardo Leite vislumbrou na venda de ações do Banrisul uma saída para pagar os salários e mantê-los em dia, mas esperava contar também com uma espécie de empréstimo do Fundo de Reaparelhamento do Judiciário para ganhar fôlego até a adesão ao regime de recuperação fiscal, cujas negociações foram encaminhadas por Sartori. O Tribunal de Justiça resiste em emprestar sua poupança ao Executivo.
O fracasso na operação de venda de ações do Banrisul lança uma nuvem de incertezas sobre o futuro. A situação, que já é caótica, pode piorar se o Supremo Tribunal Federal derrubar a liminar que permitiu ao Estado suspender, temporariamente, o pagamento da dívida com a União.
Para piorar a situação, o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, afirmou nesta quinta-feira, na Associação Comercial de Porto Alegre, que a adesão do Rio Grande do Sul ao regime de recuperação fiscal da União não sai neste ano.