Inconformado com a decisão do Tribunal de Justiça (TJ) que suspendeu a Lei de Diretrizes Orçamentárias prevendo o congelamento de gastos do Estado em 2020, o deputado Mateus Wesp (PSDB), relator do projeto aprovado pela Assembleia Legislativa, publicou um vídeo em que faz duros ataques ao Judiciário. Em resposta, a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) divulgou uma nota oficial afirmando que o tucano “desconsidera todo o histórico do controle de constitucionalidade brasileiro e dos países ocidentais e ultrapassa os limites do decoro parlamentar”.
Wesp referiu-se ao despacho do desembargador Marcelo Bandeira Pereira, que atendeu a um pedido do Ministério Público (MP), com expressões como “vergonha”, “desfaçatez e “tapa na cara do povo gaúcho, dos deputados e do governador”. A LDO foi enviada em maio pelo governador Eduardo Leite à Assembleia e aprovada pelos deputados estaduais em julho.
— É uma desfaçatez. Depois não querem que a gente fale que existe a ditadura do Judiciário – disparou Wesp.
Na visão de do tucano, o Poder Judiciário estadual deveria considerar-se impedido de julgar a ação proposta pelo MP, já que seria interessado no tema.
— Vamos seguir lutando contra o corporativismo, que só pensa no umbigo e esquece que quem paga a conta é o povo gaúcho — criticou o deputado.
Na nota, a Ajuris "repudia as declarações do deputado e manifesta claramente a sua percepção de que o decoro parlamentar foi violado, na medida em que o deputado, sabendo do potencial de disseminação propiciado pelas redes sociais do vídeo gravado, procura claramente confrontar o poder Judiciário e colocar a população do Rio Grande do Sul contra os seus componentes".
Leia a íntegra da nota da Ajuris:
"A respeito das declarações do deputado estadual Mateus Wesp (PSDB), que circulam em vídeo divulgado nas redes sociais e por órgãos de imprensa, a AJURIS vem a público para dizer o que segue:
1) O sistema de controle de constitucionalidade foi consagrado nos Estados Unidos em 1803 e há mais de um século também é adotado em todas as constituições brasileiras, viabilizando que o Poder Judiciário atue no controle das leis editadas pelo Parlamento quando afrontam a Constituição. Isso ocorre costumeiramente e pode dar-se independentemente do número de deputados alcançados na votação da lei tida por inconstitucional.
2) O deputado Mateus Wesp, ao fazer declarações especificamente afrontosas ao relator da ação de inconstitucionalidade relativa à LDO, desconsidera todo o histórico do controle de constitucionalidade brasileiro e dos países ocidentais e, mais do que isso, ultrapassa os limites do decoro parlamentar ao usar palavras vulgares no sentido de, valendo-se de redes sociais, levar à população gaúcha uma ideia equivocada a respeito da decisão proferida.
3) O Tribunal de Justiça e seus desembargadores atuam conforme as leis e a Constituição brasileira e, nos casos em que a atividade parlamentar não representar desconsideração àquilo que previsto na Carta Maior, não há intromissão do Poder Judiciário na atividade legislativa. A atuação judicial, portanto, está restrita àqueles casos que a Assembleia Legislativa e o parlamento em geral ignorem os ditames constitucionais.
4) A AJURIS, portanto, repudia as declarações do deputado e manifesta claramente a sua percepção de que o decoro parlamentar foi violado, na medida em que o deputado, sabendo do potencial de disseminação propiciado pelas redes sociais do vídeo gravado, procura claramente confrontar o poder Judiciário e colocar a população do Rio Grande do Sul contra os seus componentes. Críticas às decisões são aceitas, manifestações de divergências fazem parte da democracia. Agora, nada disso autoriza, seja o deputado, seja a autoridade que for, a utilização de palavras inadequadas, desrespeitosas e afrontosas aos magistrados gaúchos. Eventual discordância com a decisão deverá ser discutida na via recursal, único caminho legal e constitucional.
Vera Lúcia Deboni
Presidente da AJURIS"