No depoimento de mais de oito horas na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o ministro Sergio Moro demonstrou resistência, capacidade de articulação e jogo de cintura para se desviar das perguntas mais incômodas. Acertou antecipando-se a uma convocação, foi ajudado pela condução serena da senadora Simone Tebet, que não permitiu a transformação da sessão em espetáculo circense, e pela proteção da tropa de choque do governo, treinada para levantar a bola e deixar que o ex-juiz apenas cortasse.
Com a segurança de quem sabe que a maioria da população ignora ritos legais ou não se importa com eventuais atropelos à Constituição, se a justificativa for o combate à corrupção, Moro surfou na popularidade que ainda carrega dos tempos em que era senhor do raio e do trovão na Lava-Jato.
Acusou os que o criticam de estarem contra a Lava-Jato por defender corruptos e fugiu das respostas diretas às perguntas sobre conversas polêmicas divulgadas pelo site The Intercept Brasil com o argumento de que não reconhece a autenticidade dos diálogos, não lembra das conversas com procuradores da força-tarefa e apagou as mensagens trocadas quando abandonou o aplicativo Telegram, em 2017.
Incontáveis vezes o ex-juiz mencionou o que chamou de invasão criminosa dos telefones dele e de outros integrantes da força-tarefa da Lava-Jato e criticou o modo como o site vem divulgando o conteúdo das supostas conversas, a conta-gotas, sem informar como obteve as informações. Mais de uma vez, levantou suspeitas de que tenha havido manipulação dos diálogos ou supressão de trechos que modificariam o contexto das conversas.
Para quem se importa com a legalidade, foi preocupante ver a naturalidade com que o ministro da Justiça trata o alinhamento com o Ministério Público, interpretado por advogados e réus como conluio. Moro evitou comentar trechos que indicariam orientação aos procuradores de como proceder e conversas que sugerem investigação direcionada ou tentativa de poupar pessoas, caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, segundo uma das frases divulgadas pelo Intercept, ele não queria "melindrar" por ser um apoiador da Lava-Jato.
Senadores governistas agiram como tietes, gastando parte do tempo destinado às perguntas a elogiar Moro. Flavio Bolsonaro, o filho zero um do presidente Jair Bolsonaro, apelou para a manobra diversionista, citando uma teoria conspiratória difundida na internet, que envolve espiões russos pagos com criptomoedas, e acusa o jornalista americano Glenn Greenwald de "comprar o mandato do deputado Jean Wyllys (PSOL) para permitir a posse do suplente David Miranda", seu marido.
Senadores da oposição também deram a sua contribuição para a parte pouco séria da sessão, Humberto Costa (PT-PE), que insinuou saber de fatos mais graves, que estariam para ser divulgadas pelo Intercept. Não sustentou e acabou passando por irresponsável.
Questionado por Jaques Wagner (PT-BA) se estaria disposto a renunciar ao cargo de ministro caso surjam fatos novos e a Polícia Federal, a ele subordinada, tenha de fazer investigações, Moro disse que não tem apego ao cargo. Bolsonaro tem dito que a possibilidade de demitir Moro é zero.