A decisão do governo da Bolívia de despachar Cesare Battisti direto para a Itália, em vez de devolvê-lo ao Brasil para que fosse exibido como um troféu, frustrou a expectativa das autoridades brasileiras. Uma foto de Battisti sendo entregue à Itália para cumprir a pena de prisão perpétua, depois de 40 anos de fuga, teria forte efeito simbólico para o governo de Jair Bolsonaro, que prometera decretar a extradição, mas foi atropelado pelo então presidente Michel Temer.
Em um dos seus últimos atos no poder, em 14 de dezembro, amparado em decisão do Supremo Tribunal Federal, Temer revogou o decreto do ex-presidente Lula, que dera a Battisti o status de refugiado político. Em seguida, a Itália mandou um avião para buscar o homem condenado por terrorismo há 40 anos, mas, quando a Polícia Federal foi cumprir a ordem de prisão, Battisti havia fugido, aparentemente sem deixar rastros. O Brasil passou vergonha aos olhos dos italianos.
Imagens com os possíveis disfarces que o fugitivo poderia ter adotado passaram a circular dentro e fora do país. Veio a troca de governo e, apesar das dezenas de operações montadas nos últimos 30 dias para prender Battisti, ele continuava sumido.
Dadas as relações de Battisti com líderes de esquerda na América Latina, e as possibilidades de cruzar a fronteira sem ser molestado, era quase procurar agulha em palheiro, mas a Interpol usou as informações da Polícia Federal e concentrou as buscas na Bolívia, para onde ele já tinha tentado fugir no ano passado. Deu certo.
Eis que, na tarde de sábado, Battisti foi preso em Santa Cruz de La Sierra, usando documento de identidade brasileiro e, para surpresa de quem zombou dos retratos falados, usando cavanhaque, um dos disfarces da coleção da PF.
A ideia inicial dos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, da Justiça, Sergio Moro, e do chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, era trazer Battisti para o Brasil e, daqui, mandá-lo para a Itália.
Na manhã de domingo, o general Augusto Heleno chegou a dizer que Battisti seria trazido para o Brasil porque o avião italiano não teria autonomia de voo para levá-lo diretamente de Santa Cruz de la Sierra para Roma. Mas faltou combinar com os italianos, que não queriam correr o risco de ver a presa escapar novamente ou de ganhar tempo com alguma decisão judicial de última hora.
No início da noite, o avião com o preso decolou para o que deve ser a última viagem do homem que os italianos chamam de terrorista e que passou as últimas quatro décadas fugindo graças a uma rede de apoio. Foi essa teia que lhe permitiu, nos últimos anos, ter uma vida quase normal no Brasil. Tratado como ativista político, circulou pelo país e esteve no Rio Grande do Sul em 2012 para conhecer os parentes que vivem na cidade de Progresso. Até ter um filho e escrever livros ele conseguiu no exílio brasileiro. O último, Cargueiro Sentimental, foi publicado em 2016. Aos 64 anos, Battisti ficará na cadeia até a morte.