O ex-ativista italiano de esquerda Cesare Battisti, capturado no sábado (12) em Santa Cruz de la Sierra, foi entregue neste domingo às autoridades italianas na cidade do leste da Bolívia para ser levado diretamente para a Itália, onde foi condenado por homicídios, durante ações violentas nos anos 1970.
A odisseia do revolucionário, de 64 anos, se encerrou na Bolívia, onde foi detido no sábado às 18h50min por agentes bolivianos da Interpol, em coordenação com colegas italianos, em uma rua desta cidade do leste do país andino, fronteiriço com o Brasil.
Um dia depois e após a negativa a um pedido de asilo feito ao governo de Evo Morales, Battisti foi entregue a autoridades italianas, que chegaram em um avião especial procedente de Roma.
Battisti, de 64 anos, estava foragido desde o mês passado, quando fugiu do Brasil, onde inicialmente encontrou refúgio durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Falcon 900 branco com policiais e membros dos serviços secretos que o governo italiano enviou neste domingo para buscá-lo tinha aterrissado pouco depois das 15H00 locais (17H00 de Brasília) e o levou menos de duas horas depois, apenas o tempo necessário para reabastecer a aeronave.
O chefe de governo italiano, Giuseppe Conte, havia antecipado pouco antes detalhes da operação de traslado, depois de manter uma conversa por telefone com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
Dor de cabeça para Evo Morales
A operação secreta que levou à sua localização e rastreamento desde o fim do ano, antes de sua captura neste fim de semana, também foi digna de um filme de espionagem.
Fontes bolivianas próximas à investigação informaram à AFP que o italiano, que usava barba falsa e tinha "hálito de álcool" quando foi detido, estava em posse de documentação brasileira, celular e cartão de crédito em seu nome. Ele permaneceu detido até sua partida da Bolívia em instalações da Interpol em Santa Cruz.
Durante todo o domingo, o caso Battisti foi objeto de um intenso jogo político, judicial e diplomático entre Roma, La Paz e Brasília para definir seu destino.
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, tinha assegurado horas antes que, antes de ser enviado para a Itália, Battisti faria uma escala no Brasil.
Ali, o governo do presidente Bolsonaro havia prometido devolvê-lo como um "presente" à Itália — onde também governam conservadores — pondo fim a uma era de afinidade entre governos de esquerda e ativistas responsáveis por atos violentos durante os "anos de chumbo" da guerra fria.
"Acabou o piquenique"
O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, tuitou neste domingo que "o Brasil não é mais terra de bandidos" e, dirigindo-se, em italiano, ao ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, disse: "o 'presentinho' está chegando".
"Meu primeiro pensamento é para as vítimas deste assassino (...), protegido pelas esquerdas de metade do planeta. Acabou o piquenique", tuitou Salvini. "Se fará justiça finalmente para as vítimas do terrorismo", reagiu de forma mais sóbria o ex-chefe de governo italiano, Paolo Gentiloni.
O caso deste ex-ativista, que voltou à clandestinidade após viver protegido por governos de esquerda — primeiro na França e depois no Brasil — representou um inesperado e incômodo dilema para o governo do também esquerdista Evo Morales diante da reivindicação italiana, entre lhe dar refúgio ou expulsá-lo.
A defensoria do povo revelou neste domingo que Battisti havia solicitado refúgio em uma carta enviada três dias antes do Natal ao Conselho Nacional do Refugiado (Conare), pedindo que lhe concedesse o asilo que lhe garantisse sua "segurança, liberdade e vida".
O defensor do povo da Bolívia, David Tezanos, disse à AFP que a Battisti "não foi feita entrevista, nem se informou a resolução negativa, aspectos fundamentais do devido processo (...) o que fragiliza os princípios de 'não devolução' e 'não expulsão'".
O governo do esquerdista Evo Morales — que tentará a reeleição em outubro — optou por resolver o quebra-cabeças, entregando Battisti diretamente aos italianos, sem conceder ao Brasil a chance de exibi-lo como um troféu.
O ministro da Justiça italiano, Alfonso Bonafede, explicou que como o Brasil não prevê prisão perpétua em seu direito penal, a Itália havia aceito reduzir sua ena a 30 anos de prisão com a expectativa de recuperar o fugitivo. Um compromisso jurídico que não existe se for devolvido diretamente a Roma.
Battisti, que fugiu do Brasil em dezembro, foi localizado "com certeza" na Bolívia na semana passada, em Santa Cruz, onde foi preparada uma operação com as autoridades locais, segundo o governo italiano.
Uma saga digna de romance
O italiano estava foragido desde que o Supremo Tribunal Federal emitiu, em 13 de dezembro, uma ordem de captura contra ele. Um dia depois, o então presidente Michel Temer assinou a ordem de extradição, solicitada há anos pela Itália.
Ex-membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) durante os "anos de chumbo" na Itália - marcados por atentados de organizações de direita e esquerda, entre elas as Brigadas Vermelhas -, Battisti foi julgado à revelia em 1993 e condenado à prisão perpétua por quatro homicídios e cumplicidade em outros assassinatos no fim dos anos 1970.
Ele viveu 15 anos exilado na França, protegido pelo governo socialista de François Mitterrand, onde se tornou um bem sucedido autor de romances policiais. Após uma estadia no México, voltou para a França, mas em 2004 foi obrigado a partir daquele país e se refugiu clandestinamente no Brasil, antes de ser detido no Rio de Janeiro em 2007.
Em 2010, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou sua extradição para a Itália, após um longo processo judicial com uma estadia na prisão. No último dia de seu mandato, Lula lhe concedeu o estatuto de refugiado político.
Durante a etapa brasileira de sua saga digna de um romance, Battisti se casou com uma brasileira, com quem teve um filho em 2013.
Battisti conheceu uma jovem professora brasileira, com quem teve um filho, Raul, atualmente com cinco anos, e com quem manterá um relacionamento intermitente.
O nascimento do filho no país era um dos argumentos usados por sua defesa para impedir sua extradição, como ele próprio explicou à AFP em entrevista concedida em 2017 em sua casa em Cananeia, com o pequeno sentado ao seu lado.
Mas a Justiça brasileira tomou decisões contraditórias. Em 2015, uma juíza da 20ª Vara Federal do Distrito Federal determinou a deportação de Battisti. No mesmo ano, ele se casa com outra brasileira, Joice Lima, em um camping de Cananeia.
* AFP