Se a vida da minha família virasse filme, o personagem principal seria uma mulher que deu à luz 14 filhos de parto normal e ficou viúva aos 43 anos, quando os trigêmeos ainda eram bebês e o primogênito estava na guerra. Da vó Mena restou um retrato segurando as três crianças minúsculas, com poucos dias de vida. Revisitei a história da nossa família para apresentar uma síntese no encontro dos descendentes de meus avós paternos, João Fagundes de Oliveira (1889-1944) e Filomena Orling de Oliveira (1901-1974).
O filme começaria em 1945, com essa mulher de olhos muito azuis olhando para a imensidão do campo à espera do filho mais velho que fora para a Itália lutar na II Guerra Mundial. Não sabia se estava vivo ou morto. Dias e dias ela esperou por notícias, mas só chegavam boatos. Uns diziam que o pracinha da Força Expedicionária Brasileira tinha morrido na Itália. Outros, que tinha sido gravemente ferido. Outros ainda, que estava desaparecido. O coração da vó Mena sentia que ele estava vivo e procurava no horizonte a figura do filho de 26 anos.
Um dia ela viu, cruzando a porteira, um ponto minúsculo que ia crescendo, crescendo, até virar um homem vestido com a túnica verde-oliva do Exército Brasileiro.
O capitão Heitor Orling de Oliveira era um sobrevivente da tomada de Monte Castelo e estava voltando para casa depois de enfrentar a neve e os soldados alemães. Poucas vezes contou à família sobre os horrores que testemunhou na condição de enfermeiro.
A guerra nunca saiu dele. A guerra explica algumas das manias desse tio herói, que impunha disciplina militar à família, valorizava o trabalho e o estudo e, marcado pelos anos de escassez, virou um sovina que ganhou dos irmãos o apelido de Tio Patinhas.
Dos 14 filhos de João e Filomena, restam apenas os quatro mais jovens. Ao contar um pedacinho da história de cada um, repassei as mazelas do século 20: a falta de acesso aos serviços de saúde, o trabalho infantil na roça para não morrer de fome, a dificuldade para estudar, a vida sem luz elétrica, as viagens de carroça, a chegada do progresso.
Nossas vidas ordinárias não dariam um filme comercial, mas fiquei tentada a escrever uma história de 14 capítulos para que os mais de 50 netos dos meus avós possam mostrar a seus filhos e netos como era vida no tempo dos nossos pais.