Nenhum segurança guarda a entrada do condomínio Chopin, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, onde mora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na guarita, o porteiro apenas pergunta o nome dos visitantes, liga para o apartamento, e pergunta se podem subir. É a primeira surpresa para quem espera encontrar a postos os seguranças a que têm direito os ex-presidentes da República. A segunda é a aparência do anfitrião. Recém chegado de uma viagem aos Estados Unidos, onde fez conferências em universidades, não demonstra cansaço. A postura ereta, a firmeza nos passos e o raciocínio preciso do sociólogo contrastam com uma de suas primeiras frases:
— Sou um velho de 86 anos.
O ex-presidente que entrou para a história como pai do Plano Real não dá conta dos convites para palestras. A fila de pedidos de entrevistas aumentou com o agravamento da crise política.
Enquanto o fotógrafo Jefferson Botega instala câmeras e microfones para a gravação em vídeo, fala de seu apreço pelo Rio Grande do Sul e relembra as temporadas passadas no Estado, no início da década de 1960, quando trabalhava na tese de doutorado que resultou no livro Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional.
Orgulhoso, revela que a Brown University está criando um programa de bolsas para jovens interessados em estudar o Brasil. O fundo para financiar o Fernando Henrique Cardoso Fellowship começa com US$ 4 milhões, doados por empresários americanos.
A agenda do ex-presidente se divide entre a fundação que leva seu nome e que promove debates sobre temas atuais, as conferências em universidades, as conversas com políticos do PSDB e atividades culturais em companhia da mulher, Patrícia.
— Quando vou ao cinema, as pessoas se surpreendem porque ando sem seguranças. Patrícia dirige o carro, porque meus filhos me proibiram, mas às vezes dirijo escondido deles.
Convencido de que um ex-presidente precisa se desapegar das mordomias do poder, revela que foi esse o motivo de, ao deixar o governo, ter ido passar uma temporada na Europa:
— Fiquei três meses morando num apartamento emprestado por um amigo. Diziam que era meu. Quisera que fosse, mas é de um amigo, já falecido. A filha dele é madrinha de uma das minhas netas. Fomos só eu e Ruth (a primeira mulher, falecida em 2008). Não levei assessor nem segurança. O embaixador me ofereceu um carro, mas recusei. Decidi que ia aprender a andar de metrô. Para me auto-educar. Você foi presidente. Não é mais. É necessário para você não pensar que é o rei da cocada preta.
Fernando Henrique fala sem pressa. Conta histórias de campanhas, analisa a situação política e econômica do Brasil, interpreta o fenômeno do aumento do conservadorismo, avalia a crise de credibilidade dos partidos, incluindo o seu, o PSDB, dá receitas sobre o que os candidatos precisam fazer para conquistar o eleitor.
Na poltrona, a assessora Helena Gasparian, diplomata acostumada à pontualidade britânica, inquieta-se. Pede, por favor, para encerrar, porque ele tem outro compromisso. FHC responde a mais duas perguntas. Helena insiste porque outra pessoa já está à espera.
Gravador desligado, pergunta da situação do Rio Grande do Sul e das chances de Eduardo Leite na eleição para governador. Quer saber se o ex-prefeito de Pelotas se comunica bem. Sem demonstrar pressa, brinca que não está vestido de forma adequada para tirar fotos, mas posa sem resistir ao lado de obras de arte que decoram a sala.
Na despedida, comenta sobre o radicalismo nas redes sociais:
— A raiva está muito grande.
Confira a íntegra da entrevista, dividida em quatro partes:
PARTE 1 - Huck e "outsiders" são "sinal de ausência de política"
PARTE 2 - "PSDB precisa voltar a fazer o que diz"
PARTE 3 - "Precisamos mais do que nunca de visão democrática"
PARTE 4 - "A sociedade precisa de líderes, de pontos de referência"