Na prática, o governo da presidente Dilma Rousseff acabou às 23h7min quando o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) deu o 342º voto a favor do impeachment. Mesmo que o julgamento seja prerrogativa do Senado, a derrota na batalha da Câmara é o fim de pouco mais de 13 anos de governo petista. O discurso sintetizado na frase "não vai ter golpe" ficou na garganta dos militantes, mas não colou entre os deputados. Com um resultado acachapante como esse, a chance de Dilma reverter a situação no Senado é nula. Lá, a oposição tem a maioria simples de que necessita para a continuidade do processo, o que obrigará a presidente a se afastar por até 180 dias.
Mesmo que para o afastamento definitivo sejam necessários dois terços dos votos, Dilma não tem como dar a volta por cima. Ocorre que os antigos aliados abandonaram o navio – e não foram decisões individuais. Quase todos os partidos que integravam o governo abandonaram Dilma e se bandearam para o lado de Michel Temer, o vice-presidente que encarna a perspectiva de poder. Temer e seus aliados trabalham em ritmo frenético na formação de um governo que, embora tecnicamente seja provisório, será estruturado para governar por dois anos e meio.
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As medidas emergenciais que serão anunciadas no dia seguinte à admissão pelo Senado têm por base o documento "Uma Ponte para o Futuro", plano de governo que o PMDB começou a elaborar quando intuiu que Dilma não chegaria ao fim do governo. Oficialmente, era um roteiro para 2018, mas nos bastidores se esboçava um programa de emergência, que agora está sendo transformado em medidas concretas.
Temer deve fazer os anúncios em duas etapas. No primeiro dia, tão logo seja aberto o processo no Senado, serão apresentados os ministros e a nova estrutura do governo. Já está definido que haverá cortes de ministérios – a meta é reduzir a 20, 22 no máximo – e de cargos em comissão. Aliados do vice confirmam que ele não pretende esperar o julgamento definitivo para afastar os milhares de petistas que ocupam funções de confiança no governo.
No dia seguinte, o primeiro conjunto de medidas de ajuste fiscal, com foco na retomada da confiança dos investidores. No ensaio do discurso pós-impeachment, que vazou na semana passada, Temer propõe "um governo de salvação nacional" e adverte que haverá sacrifícios. Esse é o primeiro grande ponto de interrogação do futuro governo: de quem se exigirá sacrifícios? No sábado, em resposta ao vídeo em que a presidente Dilma Rousseff o acusava de conspirar e tramar um golpe e dizia que ele cortaria programas sociais, Temer usou sua conta no Twitter para rebater o que chamou de "mentira rasteira". No primeiro de quatro posts, escreveu: "Leio hoje nos jornais as acusações de que acabarei com o Bolsa Família. Falso. Mentira rasteira. Manterei todos os programas sociais". Em outro, tentou corrigir a omissão do discurso vazado, que não toca no combate à corrupção: "A Lava-Jato tem prestado importantes serviços ao país. Sou jurista e sei do papel fundamental da Justiça e do MP para o avanço das instituições".
As declarações de voto, marcadas por homenagens à família, confirmaram o que já tinha ficado evidente nos discursos de sexta-feira e de sábado: as pedaladas fiscais, motivo oficial do pedido de impeachment, são o que menos contou na decisão dos deputados em favor do afastamento de Dilma. Poucos mencionaram a acusação pela qual Dilma responde. A maioria justificou o voto sim falando em corrupção, fora PT, estagnação econômica, perda das condições de governar, incompetência, necessidade de recuperação do Brasil e um rosário de acusações e insinuações que passam longe das manobras fiscais.
O Brasil da jabuticaba e do presidencialismo de coalizão acaba de consagrar o impeachment por impopularidade. Presidentes e governadores ruins, que não tiverem maioria no Legislativo, correm o risco de perder o mandato, mesmo que o crime de responsabilidade não esteja caracterizado de forma clara. No caso de Dilma, há divergências entre os juristas, mas o impeachment é um julgamento político. E Dilma perdeu.