No segundo discurso de Lula na Organização das Nações Unidas (ONU) neste terceiro mandato, o presidente modulou o tom em relação às guerras do Oriente Médio, mas desviou do mea culpa em relação aos incêndios que devastam três biomas brasileiros — o Cerrado, a Amazônia e o Pantanal.
Lula, que em manifestações anteriores tergiversava em relação ao massacre de 7 de outubro cometido pelo Hamas em Israel, desta vez referiu-se nominalmente ao episódio como "ataques terroristas". Acertou.
Na sequência, afirmou que a ação gerou "uma punição coletiva de todo o povo palestino", o que, não é verdade. Embora haja mortos civis, a operação israelense iniciada em 7 de outubro mira a organização terrorista Hamas, não o povo palestino da Faixa de Gaza nem a população da Cisjordânia, ainda que, infelizmente, haja grande número de mortos civis.
— O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino. São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo — citou Lula.
O presidente também cumprimentou os membros da delegação palestina, que integraram pela primeira vez a Assembleia Geral. Citou gastos militares trilionários e disse que os recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar as mudanças climáticas.
Crise ambiental
A grande decepção do discurso, entretanto, ficou por conta do tema que, não fosse o recrudescimento do conflito entre Israel e Hezbollah, teria dominado a Assembleia Geral da ONU 2024: mudanças climáticas.
O pronunciamento de Lula decepcionou porque faltou um mea culpa em relação à catástrofe ambiental em andamento.
— Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais. Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado — afirmou.
Lula citou a enchente "no sul do Brasil" como as piores desde 1941 (sem nominar o Rio Grande do Sul) e prometeu não transigir com "o garimpo ilegal e o crime organizado", dando a impressão de que tudo recai na conta do aquecimento global ou de ações de terceiros — ignorando que atos humanos são fundamentais na prevenção, planejamento e mitigação.
O presidente também repetiu o discurso da COP28, em defesa de uma economia com menos combustíveis fósseis, ignorando as contradições da política ambiental do Planalto. Ao citar a COP 30, que o Brasil sediará em 2025, lembrou que o país é um dos únicos com a matriz energética mais limpa.
Crítica velada
Houve uma alfinetada velada no dono do X, o bilionário Elon Musk, quando referiu-se a legitimidade da democracia e a liberdade de expressão.
— O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei. A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras — enfatizou.
Reforma estrutural da ONU
No discurso de Lula, houve dois pontos altos: a crítica ao fato de nunca na história da ONU o cargo de secretário-geral ter sido exercido por uma mulher; e uma contumaz defesa da reforma do Conselho de Segurança da ONU, que, como se vê nos recentes conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio é incapaz de cumprir o papel para o qual foi criado: evitar a guerra.
— Estamos chegando ao final do primeiro quarto do século XXI com as Nações Unidas cada vez mais esvaziada e paralisada. É hora de reagir com vigor a essa situação, restituindo à Organização as prerrogativas que decorrem da sua condição de foro universal. Não bastam ajustes pontuais. Precisamos contemplar uma ampla revisão da Carta — afirmou.
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