Bióloga, doutora em Planejamento Ambiental, ministra do Meio Ambiente por seis anos, nos governos Lula e Dilma Rousseff, Izabella Teixeira participa do evento "Navegando para a COP29 e o Caminho para Belém", organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), do qual é conselheira. De Nova York, ela conversou com a coluna.
Depois da tragédia no RS e com incêndios em três biomas, como o Brasil está sendo visto no cenário internacional?
O Brasil passa a ser visto como um país vulnerável ao risco climático. É isso que a tragédia do Rio Grande do Sul, no Pantanal, Cerrado e Amazônia, acaba revelando. O Brasil é um país hoje visto internacionalmente e também pela sua sociedade, espero, como um país exposto ao risco climático. Muita gente achava que era um problema da Amazônia. Não, é um problema do Brasil. Aliás, do Brasil e do mundo, porque também as chuvas na Ásia estão ocorrendo nessa semana. Na Itália também está tudo inundado. O mundo está exposto aos sistemas climáticos que traduzem o aquecimento médio em 1,2 graus centígrados (da temperatura do planeta). Está todo mundo assustado com a magnitude e com a frequência dos eventos, e o Brasil é muito ilustrativo disso, embora na Ásia e no Europa também estejam ocorrendo (eventos extremos).
Uma coisa é você gerir crise, que é o que ocorreu no Rio Grande do Sul, e outra é gerir risco. É você entender como promover o desenvolvimento do país com a temperatura média no planeta aumentada em 1,2ºC.
A senhora foi ministra e conhece bem a estrutura governamental. O que precisa mudar para que o país enfrente melhor esses desafios?
O Brasil não tá preparado para isso. Não é uma questão só de Brasília. O modelo de governança climática que o Brasil adotou se revela insuficiente pra lidar com a urgência climática. São duas questões distintas: uma coisa é você gerir crise, que é o que ocorreu no Rio Grande do Sul, e outra é gerir risco. É você entender como promover o desenvolvimento do país com a temperatura média no planeta aumentada em 1,2ºC. Vai ter mais água, vai ter menos água? Eu estou mais vulnerável? Vou estar mais exposto a queimadas, como isso afeta a agricultura, a indústria brasileira, o transporte, a infraestrutura? As estradas não tem seguro, é toda a economia do país.
É preciso rediscutir totalmente a visão de futuro?
De um lado vamos ter de lidar com desastres, de como estar preparado para que se tenha capacidade de resposta. Isso envolve a relação federativa, um olhar para os municípios. Não é centralizado em Brasília. Brasília coordena essa relação federativa, mas é preciso ter uma pactuação política com as pessoas, tem de ter ciência aplicada, saber que territórios são esses mais vulneráveis, e preparar as pessoas para que tenham um caráter de prevenção e de saber reagir ao evento. Isso é uma coisa. A outra é saber, por exemplo, se regiões produtoras de arroz, como no Rio Grande do Sul, estarão mais vulneráveis a frequência muito maior de chuvas e inundações... ou de secas.
Temos os dois aqui.
Como vou planejar essa agricultura daqui pra frente, de tal maneira que o Rio Grande do Sul continue sendo um bom produtor de arroz. O melhor incremento ecológico, com tecnologias de manejo de solo, uso eficiente de recursos hídricos. Essa é uma discussão de adultos, não de ativista climático. Essa é a discussão de quem vai pensar o desenvolvimento do país. Para isso, você tem de ter a natureza como aliada. O Brasil é vulnerável na agricultura, na energia, porque temos a energia elétrica na nossa base, e o Brasil é vulnerável na questão das cidades. Não é uma reação de curto prazo, tem que ser bem pensado, estrategicamente bem pensado. A própria governança federal tem de ser reorganizada: defesa civil eficiente, Ministério da Defesa atuando. Como é que vai ser com o problema de fluxo de imigração, não só no Brasil, mas internacionalmente? A gente tem que estar preparados pra isso, agora não pode ser com base em tragédia, não pode ser com base em afogadilho, não pode se achar que tudo vem como algo disruptivo e que o mundo vai acabar. Está na hora de chover no Brasil para esfriar a cabeça das pessoas. Todo mundo tem que entregar (experiências). Tem de chegar com o aprendizado do Rio Grande do Sul. Vocês estão aprendendo muita coisa. A sociedade ficou entre duas coisas, o governo do Estado e o governo federal. Eu acompanhei isso. Então, quais são as coisas positivas e quais são as coisas negativas? E como é que a população gaúcha quer lidar com isso no futuro? O Brasil tem instituições, tem capacidades instaladas, precisa aprimorá-las, e não achar que você vai criar uma instituição que vai resolver tudo a noite por dia.
O Brasil tem que desembarcar do PowerPoint e aterrissar na realidade, discutir com a sociedade.
A senhora se refere à criação de uma autoridade climática, por exemplo?
Não estou me referindo à autoridade climática, mas ao arranjo de uma governança ou capacidade de resposta que terá de ser pensada estrategicamente. Não sabemos quanto o Brasil está exposto, mas sabemos que ele tá exposto. O Rio Grande do Sul é ilustrativo. Nós estamos tendo perdas econômicas, perdas ambientais, perdas sociais. O Brasil terá que ter uma política, uma visão estratégica sobre emergência climática: pensar os setores econômicos, chamar a sociedade, pensar no curto prazo em como se preparar, no longo prazo, como isso influencia a indústria, o que tenho de incrementar em tecnologia, onde seremos mais eficientes? Deriva disso a boa governança. Então você vai poder pensar quais os melhores formatos de instituições, de capacidades institucionais que precisam ser aprimoradas. Aí você vai poder dizer: ter um modelo de governança coordenado entre as federações, ou, primeiro, pelo governo federal.
Mas e a ideia de se criar uma autoridade climática?
É uma decisão importante do presidente Lula, se ele quer encaminhar uma nova governança climática. Agora, não é, sinceramente, com cinco pessoas. Você tem de discutir com o Brasil, chamar o empresariado. Os empresários do Rio Grande do Sul que foram impactados, por exemplo, têm muito a declarar. Os prefeitos, os sistemas de emergência das cidades. Como cada um viveu isso? A experiência é extremamente importante. A ambição também é importante. E, obviamente, saber que isso é um processo. Não vai acontecer da noite para o dia. Não se tem dinheiro no Brasil para fazer isso. Então, tem de ser muito bem pensado, para que não se tenha retrocesso no futuro. Você tem de fazer com que a sociedade avance, mais uma vez, não com base em tragédia, mas na expectativa de um país que seja capaz de lidar com o seu futuro. Sabe o que eu acho? O Brasil tem que desembarcar do PowerPoint e aterrissar na realidade, discutir com a sociedade. Não é o PowerPoint. É por onde nós vamos. Do regime jurídico aos arranjos funcionais, aos dinheiros. Com responsabilidade, para que se tenha um país melhor e mais seguro.