O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Na terça-feira (17), o físico e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Paulo Artaxo, um dos maiores especialistas em mudanças climáticas do Brasil, participou de uma reunião com principais autoridades dos Três Poderes para tratar sobre medidas emergenciais para conter as queimadas no país.
Em entrevista à Zero Hora, Artaxo faltou sobre o momento que o Brasil enfrenta, com queimadas em três biomas ao mesmo tempo. Ele propõe ações que precisam ser colocadas em prática diante dos desafios dos eventos extremos.
Qual a relação entre a enchente no Rio Grande do Sul e a seca histórica que o país enfrenta e a que se deve esse cenário?
A relação é direta, no sentido de que as mudanças climáticas estão provocando um aumento de eventos climáticos extremos, que inclui cheias e inclui grandes secas, no mundo inteiro, não só no Brasil, mas também na Europa,
Todo evento climático extremo tem várias razões, não é uma única. No caso das chuvas intensas no Rio Grande do Sul, isso se deveu, além de um maior volume de vapor d 'água sendo transportado para o Estado, a presença de um grande centro de alta pressão estacionário sobre o Estado de São Paulo, que fez com que todo o vapor d'água que iria subir e desaguar em toda a região sul do Brasil, infelizmente, desaguou no Rio Grande do Sul. Isso é um reflexo da mudança da circulação atmosférica na América do Sul, junto com o maior fluxo de vapor d'água para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, para a região sul do Brasil.
Isso já está sendo documentado há muitos anos, há várias décadas. E agora, mais frequentemente, por causa do aquecimento global se intensificando, está provocando esse tipo de chuva muito, muito intensa, de uma maneira mais frequente.
O que é necessário fazer de maneira emergencial para conter os eventos extremos?
É necessário prevenir para que, nos próximos anos, eventos desse tipo não peguem nenhum dos governos municipais, estaduais e federal sem ações planejadas. Precisamos treinar brigadas para atuar, pessoal profissional treinado para lidar com esses eventos climáticos extremos, que vão se tornar cada vez mais frequentes. Se não prepararmos o país para isso, o próximo evento pode ser ainda mais destrutivo do que o anterior.
O governo tem se mostrado receptivo para tratar do assunto?
Não há dúvida de que há uma sensibilidade muito grande do governo federal em, finalmente, atacar a questão dos eventos climáticos extremos de uma maneira integrada e muito mais, digamos, completa do que estavam sendo feito antes.
Como o senhor avalia que deve ser a autoridade climática? Deve ter um comando político ou técnico?
Se deveria ser um técnico ou um político, é uma questão de segundo ponto. A questão principal é que essa autoridade climática tenha poder, recursos institucionais para atuar junto aos ministérios, para coordenar toda a política de mudança climática de todos os ministérios. Isso inclui o Ministério da Agricultura, Ciência e Tecnologia, (Minas e) Energia, Saúde. Todos esses ministérios têm fortes implicações com a questão das mudanças climáticas, então, essencialmente, essa tarefa é muito urgente.
Por que essa resistência do Congresso?
Basicamente, alguns setores econômicos, como o agronegócio, por exemplo, que financia a Frente Parlamentar da Agricultura, conta com um número muito expressivo de integrantes, que investiram muito nos últimos anos em eleger representantes da sua categoria. Isso, obviamente, está longe da questão da representação popular que deveria pautar a constituição do nosso Congresso.
A autoridade climática deve estar ligado ao Ministério do Meio Ambiente ou à Presidência?
Se ele vai supervisionar e fiscalizar a atuação de vários ministérios, não pode ficar, obviamente, ligado a nenhuma pasta em particular. Deve ficar pendurado diretamente na Presidência.
Se houver convite para o senhor para ser a autoridade climática, aceitaria?
Não, não faz parte dos meus planos.
A mudança no regime de chuvas é o efeito mais imediato dessas mudanças climáticas no Brasil?
Não é o único efeito que estamos observando, porque, além dos eventos climáticos extremos, também estamos observando um contínuo aumento da temperatura e uma alteração no padrão de chuvas. Em alguns lugares está chovendo muito mais do que a média histórica, como, por exemplo, no Rio Grande do Sul. Em outras regiões, como o Vale do São Francisco, na Amazônia e no Brasil Central, estamos observando precipitações muito menores do que a série histórica. E isso tem impactos socioeconômicos enormes que a gente vai ter que lidar de maneira adequada.
Qual o impacto do atual cenário para os nossos biomas, em especial para a Amazônia e o Pantanal?
A ciência tem mostrado, em vários trabalhos recentes, que podemos não estar muito longe de um ponto de não retorno na Amazônia, onde o avanço do desmatamento e o avanço das mudanças climáticas podem comprometer o mecanismo de reciclagem de chuvas na região amazônica.
PAULO ARTAXO
Físico e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Se você compromete esse mecanismo de reciclagem de chuvas, pode haver um colapso do ciclo hidrológico que mantém a floresta. Esta é a maneira correta de se colocar. Então, o que a gente observa é que temos que ficar atentos, temos que zerar o desmatamento da região amazônica, bem como acabar com a exploração de combustíveis fósseis no planeta todo e no Brasil em particular.
O governo faz acenos para política ambiental e mesmo assim continua, por exemplo, defendendo a extração de petróleo na Amazônia. Não é contraditório?
Evidentemente, o enfrentamento das mudanças climáticas exige uma série de medidas, incluindo a reestruturação da geração de energia elétrica e da energia em geral no Brasil. Agora, isso não se faz da noite para o dia, não com medidas sem visão de longo prazo. Não há dúvida de que temos que, no médio e no longo prazos, abandonar a exploração de combustíveis fósseis e aproveitar o enorme potencial que o Brasil tem de geração de energias sustentáveis. Esperamos que isso seja feito no futuro muito próximo.
Tem se falado muito em aumentar as penas para crimes ambientais. Deveria haver também uma sanção para os países que não cumprem os acordos de combate ao desmatamento?
Não há dúvida nenhuma. Quer dizer, os compromissos de redução de emissões de gases de efeito de estufa do Acordo de Paris, que hoje são totalmente, completamente voluntários, não um commitment (compromisso, em inglês), como a gente diz, nós temos que mudar isso para que haja um sistema que possa punir, por exemplo, os Estados Unidos, por não reduzir as suas emissões. Isso, do ponto de vista diplomático, é extremamente difícil de ser implementado, por causa do sistema de como a ONU funciona. Mas muita coisa, por causa da emergência climática, vai ter que ser mudada, e isso é uma delas.
Como deve ser o discurso de Lula na ONU sobre o clima na próxima semana?
Ele tem de mostrar que o Brasil, por ser um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas, tem de assumir um papel de liderança ambiental mundial. Acho que é isso que o presidente Lula quer fazer. Agora, para fazer isso, temos de fazer a nossa lição de casa, zerando o desmatamento da Floresta Amazônica, implementando políticas que façam com que a nossa matriz energética seja cada vez mais limpa, eliminando a produção e o uso de petróleo e assim por diante. Esperamos que o presidente Lula possa implementar essas medidas.
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