Se, no ambiente de trabalho, testemunho uma cena de assédio, que direito tenho de ficar calado? O quanto o meu silêncio é conivente com o crime que se expõe a minha frente? Se detenho cargo de gestão, me calar seria, ainda, um agravante porque estaria não apenas compactuando com um crime quanto contribuindo para a impunidade - e colocando outras pessoas em risco.
Se transpusermos essas inquietações para os mais altos postos da nação, parece não ser suficiente que comandantes das Forças Armadas tenham dito "não" ao golpe em gestação no final do governo Jair Bolsonaro. Cabe, principalmente, questionar o que fizeram para evitá-lo. O que dá direito a generais de quatro estrelas, sabedores de uma trama golpista, terem ficado calados?
No relatório que embasou a operação Tempus Veritatis, a Polícia Federal (PF) aponta a necessidade de apurar se o ex-comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Baptista Junior, contribuíram para a tentativa de golpe por omissão. O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria sido o único, até onde se sabe, a colocar suas tropas à disposição do presidente. Ele é o único dos três comandantes alvos da operação. Mas a postura dos outros dois, Baptista e Freire Neto, precisa ser apurada para que a nação conheça o motivo de não terem denunciado os planos em andamento.
O documento da PF diz o seguinte: "Em relação ao general Freire Gomes e ao brigadeiro Baptista Junior os elementos colhidos, até o presente momento, indicam que teriam resistido às investidas do grupo golpista. No entanto, considerando a posição de agentes garantidores, é necessário avançar na investigação para apurar uma possível conduta comissiva por omissão pelo fato de terem tomado ciência dos atos que estavam sendo praticados para subverter o regime democrático e mesmo assim, na condição de comandantes do Exército e da Aeronáutica, quedaram-se inertes".
Quanto ao Exército, pelas informações obtidas em off, sabe-se que, no alto comando, os generais golpistas eram minoria. A maioria ficou ao lado da Constituição. Mas cabe questionar o que fizeram para conter o ímpeto golpista de colegas de farda.
Em uma República, o comandante-em-chefe da nação é presidente, no caso em questão Bolsonaro. Em uma instituição fechada como as Forças Armadas, certamente se opor aos planos poderia render represálias - em última análise até prisão por desobediência.
Deixar de cometer um crime não torna ninguém herói. É uma obrigação. Em se tratando de servidor público, não agir significa prevaricar. No caso de quem jura defender a Constituição e a Pátria, omissão não deveria ser apenas uma questão ética.