Em uma reunião, no dia 24 de novembro de 2022, no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro teria consultado os comandantes das Forças Armadas sobre o suposto plano golpista. Ao apresentar a ideia, o presidente teria ouvido do almirante Almir Garnier dos Santos, chefe da Marinha, que seus homens estariam a postos. Não foi o mesmo tipo de resposta que escutou dos comandantes da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, nem do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. Eles disseram não.
A negativa, no caso do general Freire Gomes, ganhou repercussão na quinta-feira (8), a partir da divulgação do relatório que embasou a operação da Polícia Federal (PF) contra o núcleo pensante do bolsonarismo. O comandante foi chamado de "cagão" pelo colega de farda, naquele momento ministro da Defesa, general Walter Souza Braga Netto, em conversa com Ailton Barros, capitão expulso do Exército.
O ataque a Freire Gomes aparece em 14 de dezembro de 2022. Ailton Barros, que estimulava golpe militar em conversas com Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, diz a Braga Netto que seria preciso "oferecer a cabeça" de Freire Gomes aos leões, caso ele não aderisse ao golpe. O então ministro responde:
- Oferece a cabeça dele. Cagão.
O "não" de Freire Gomes à aventura golpista de Bolsonaro e seus assistentes foi pronunciado, mas, àquela altura, no dia 24, ele não teria tanta certeza da decisão. O militar tinha receio da reação do presidente, que poderia destituí-lo. Uma fonte próxima às conversas daquele dia contou à coluna que Freire Gomes, conhecido como linha-dura na caserna, estava indeciso.
Em meio à cisão entre militares constitucionalistas e golpistas, o comandante do Exército chegou a ficar propenso a seguir as ordens do presidente. Mas lançou mão de uma vantagem do posto que ocupava: consultou o alto comando do Exército. Ouviu, segundo a fonte, três generais: Tomás Miguel Ribeiro Paiva, então comandante do Comando Militar do Sudeste, o gaúcho Valério Stumpf, ex-comandante do Comando Militar do Sul (CMS) e então chefe do estado-maior do Exército e Richard Nunes, maior autoridade do Comando Militar do Nordeste.
Eles disseram que não iriam aderir ao golpe, "opuseram-se frontalmente", diz a fonte.
Após a consulta, Freire Gomes acabou alinhando-se à opinião desse grupo, maioria no alto comando. Tomás Paiva, que seria alçado a comandante do Exército após os ataques de 8 de janeiro de 2023, já no governo Lula, Stumpf e Nunes acabariam ficando conhecidos por terem se oposto ao golpe. Freire Gomes ficara nos bastidores.
O posicionamento do general, só seria conhecido depois, a partir de mensagens trocadas por Mauro Cid e reforçadas, agora, pelas expressões de baixo calão utilizadas por Braga Netto. No alto comando, uma minoria estava disposta a embarcar na ruptura institucional de Bolsonaro.
Prova de que Freire Gomes estava titubeante é que, em 10 de novembro, ele assinou com os demais chefes das Forças, a nota intitulada "Às instituições e ao povo brasileiro", que, publicada no dia seguinte, inflamou os acampados em frente aos quartéis, que viram no texto uma espécie de aval para o movimento em todo país - em Brasília, por exemplo, após a publicação da carta, o número era de 100 mil pessoas em frente ao QG do Exército, de onde os apoiadores de Bolsonaro marchariam em 8 de janeiro para atacar os prédios na Praça dos Três Poderes.
Natural de Pirassununga (SP), Freire Gomes chegou ao comando do Exército em 2022, substituindo o general Paulo Sérgio Nogueira Oliveira, promovido a ministro da Defesa. Antes de assumir, em sinal de prestígio, ele viajou com o Bolsonaro na comitiva que foi à Rússia e à Hungria.
Para abrir espaço ao general, Bolsonaro ignorou pela segunda vez a tradição de dar preferência à antiguidade na escolha do comandante, a exemplo do que fizera ao nomear Paulo Sergio no ano anterior. Freire Gomes era o terceiro na ordem - os generais Marcos Antonio Amaro dos Santos, então chefe do estado-maior do Exército, e Laerte de Souza santos, que comandava o estado-maior conjunto das Forças Armadas, eram mais antigos, mas considerados com perfis mais distantes do bolsonarismo.
A terceira troca de comando em três anos não era bem recebida internamente. Mas Freire Gomes era bem visto pelos colegas de farda e tinha bom trânsito nos quartéis. Ele é visto por oficiais como um "general ponderado e reservado". Seu currículo também é elogiado: serviu em unidades de Cavalaria, realizou muitos cursos, inclusive nos Estados Unidos, e foi secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Michel Temer. Ao deixar o comando do Exército, no dia 30 de dezembro de 2022, às vésperas da posse de Lula, Freire Gomes passou para a reserva.