A América Latina tem seus ditadores ou protoditadores de esquerda: Miguel Díaz-Canel, Nicolás Maduro, Daniel Ortega... Mas foi um político de direita, candidatíssimo a se juntar ao trio no panteão dos líderes autoritários, que obteve, no final de semana, um triunfo político que deve ser observado com atenção sob pena de seus métodos e práticas se disseminarem pelo continente. Afinal, em muitos países, não incomum a população clamar por "um Bukele" para chamar de seu.
Falo de Nayib Bukele, presidente licenciado de El Salvador que se declarou vencedor da eleição no país centro-americano, no domingo (4), quando a apuração ainda estava em andamento. Seu gesto de imensa confiança em seus índices de popularidade é diretamente proporcional a seu desprezo habitual pelas instituições.
Aliás, vale lembrar: a Constituição salvadorenha proíbe reeleição, mas, graças a uma ofensiva empreendida por Bukele sobre o Judiciário, a Suprema Corte, moldada a sua imagem e semelhança, aprovou essa exceção em 2021. E assim, o presidente licenciado concorreu e venceu.
A vitória de Bukele era certa - nem tanto pelas suspeitas sobre o processo eleitoral. Ele nem precisaria trapacear. O político, como tantos outros que devem sua ascensão ao processo de descrença da população nos partidos tradicionais, de esquerda e de direita, tem 87% de aprovação popular, o que o torna um dos presidentes mais bem avaliados da América Latina.
O ponto de atenção é sua estratégia de concentração de poder, o avanço contra as instituições - incluindo uma tentativa de tomar o Legislativo em fevereiro de 2020 e a aposentadoria forçada de um terço dos juízes do país, em decisão do Congresso também nas mãos de Bukele. É o exemplo latino-americano mais bem acabado de como a exploração do medo, a partir da criminalidade desenfreada, vitamina carreiras populistas.
Nas mãos das gangues, um poder paralelo, El Salvador mergulhou na insegurança endêmica. Quando Bukele assumiu, em 2019, eram cerca de 40 assassinatos por 100 mil; em 2022, o número caiu para 7,8; no ano passado, apenas 2,4. O problema é a que preço: em 2022, quando o país registrou em um só dia 62 homicídios, o presidente conseguiu aprovar estado de exceção que restringiu a liberdade de reunião e a inviolabilidade de correspondências e comunicações, além de autorizar prisões sem ordem judicial. Bukele se tornou uma versão latino-americana de Rodrigo Duterte, o ex-presidente filipino que, a pretexto de combater a criminalidade, solapou direitos civis.
Seu desempenho o transformou em ícone pop da direita latino-americana. Ele próprio se angariou a alcunha de "ditador cool", ao combinar as prisões arbitrárias, torturas e mortes em penitenciárias a que seu governo é acusado com "bacanices", como adotar o bitcoin como moeda oficial junto com o dólar.
Sabe-se que eleições sozinhas não garantem democracia. O Estado de Direito exige independência entre Poderes, os freios e contrapesos, e garantias dos direitos políticos e liberdades de expressão e de imprensa.
É a falta dessas proteções que faz de Cuba, Venezuela e Nicarágua regimes autoritários. Ainda que, no outro extremo do espectro ideológico, é o desrespeito a esses pilares que fazem El Salvador caminhar na mesma direção.