Quando Raúl Castro entregou a Presidência de Cuba a Miguel Díaz-Canel em 2018, o definiu como um "sobrevivente". Desde então, o mandatário conduz uma difícil transição entre os líderes históricos da Revolução e a nova geração que ele representa.
Díaz-Canel, de 62 anos, o primeiro presidente civil da ilha em mais de seis décadas, foi reeleito sem surpresas nesta quarta-feira (19) para um mandato de mais cinco anos, afastando as antigas previsões de que o sistema comunista cubano não se sustentaria sem os irmãos Fidel e Raúl Castro.
Raúl Castro, de 91 anos e agora aposentado, revelou, em abril de 2018, que seu sucessor era "o único sobrevivente" de uma dezena de jovens políticos preparados para assumir o bastão da geração histórica liderada por Fidel Castro.
Sem mencionar seus nomes, Raúl referia-se a políticos conhecidos até mesmo fora de Cuba, que caíram em desgraça como os ex-chanceleres Roberto Robaina e Felipe Pérez Roque, ou o ex-vice-presidente Carlos Lage.
Díaz-Canel, um engenheiro eletrônico de profissão, começou sua discreta ascensão como professor universitário para se transformar em líder da União de Jovens Comunistas, e depois dirigente do Partido Comunista de Cuba em duas províncias.
Na terrível década do período especial (1990), quando Cuba atravessava uma profunda crise pelo colapso da União Soviética, Díaz-Canel se locomovia em uma bicicleta pelas ruas de Santa Clara, sua cidade natal, que, assim como o restante do país, sofria uma enorme escassez de combustível.
- Calça jeans, Beatles e Twitter -
Embora muitos lembrem-se de Díaz-Canel por suas calças jeans e como um apaixonado pelos Beatles, ele sempre foi um homem do partido. Em 1991, entrou para o seleto Comitê Central do Partido Comunista de Cuba e, dali, ascendeu em 2003 ao Politburo, a cúpula do partido e do poder no país.
Em 2013, foi designado vice-presidente, após ocupar o cargo de ministro de Ensino Superior.
Ao contrário de seus antecessores que participaram da luta armada, sua experiência militar limitou-se ao serviço obrigatório e a uma missão internacionalista na Nicarágua.
Como presidente da República, em abril de 2021, assumiu a liderança do Partido Comunista de Cuba, o cargo mais poderoso da ilha.
Com um estilo diferente de Fidel e Raúl Castro, reservados em suas vidas pessoais, Díaz-Canel, pai de dois filhos e casado pela segunda vez com Lis Cuesta, abriu espaço para a figura da primeira-dama.
Frequentemente surgem tuítes de amor entre ele e sua esposa, que costuma acompanhá-lo em atividades dentro e fora do país.
Utiliza as redes sociais para transmitir mensagens e promover sua imagem, expondo-se a possíveis atritos e polêmicas.
Durante o seu mandato, a internet móvel, que chegou à ilha no fim de 2018, foi desconectada em momentos de tensão social, como nas históricas manifestações de julho de 2021.
- 'Cicatrizes' -
Para o analista político Arturo López-Levy, Díaz-Canel "conseguiu não apenas sobreviver estruturando essas respostas, que podem agradar ou não a um democrata liberal, mas que são respostas funcionais ao sistema" cubano.
Em 11 de julho de 2021, mostrou seu caráter inflexível diante do que o seu governo considerou um ataque orquestrado de Washington. "A ordem de combate está dada, às ruas os revolucionários", disse ele em uma mensagem televisionada.
Foram mais de 1.300 prisões e cerca de 500 manifestantes receberam condenações de até 25 anos.
"Nunca foi um liberal democrata enrustido limitado pelo poder de Fidel e Raúl, é um homem do sistema", que não busca uma mudança no modelo político, garante López-Levy.
Os protestos eclodiram em um contexto de máxima pressão pelo endurecimento do embargo econômico de Washington e pela crise sanitária da pandemia de covid-19.
Nesse ambiente, Díaz-Canel propiciou a unificação monetária e a autorização das pequenas e médias empresas para tornar viável o projeto econômico proposto por Raúl Castro desde 2011.
Entretanto, essas medidas impopulares fizeram disparar uma inflação sem precedentes que tem irritado os cubanos, em meio à escassez de alimentos, remédios e combustível.
"Ele não passou por isso sem deixar cicatrizes", afirma López-Levy, que considera que, "em última instância, a medida de maior sucesso de um dirigente cubano pós-revolucionário é a sobrevivência do governo".
* AFP