Não bastassem as duas guerras em andamento, entre Rússia e Ucrânia, e entre Israel e o grupo terrorista Hamas, um novo conflito pode explodir, desta vez na América do Sul, nas barbas do Brasil. Um referendo organizado pelo governo de Nicolás Maduro, da Venezuela, reacendeu uma disputa centenária com a Guiana.
Prevista para 3 de dezembro, a consulta abre caminho para o país de Maduro invadir e ocupar o território da nação vizinha, até a altura do Rio Essequibo, que corta a Guiana, de forma longitudinal, praticamente pela metade.
A região da Guiana Essequibo ocupa 160 mil quilômetros quadrados, onde moram cerca de 125 mil habitantes. A área é rica em petróleo, no subsolo do Oceano Atlântico. Embora seja uma disputa antiga, a ambição venezuelana cresceu desde 2015, quando a Exxon Mobil começou a explorar as reservas. O petróleo proporcionou um boom na economia de Guiana, que quadruplicou em cinco anos.
O tema mobiliza a política interna na Venezuela, que terá eleições presidenciais no ano que vem, e mexe tanto com os brios que até parte da oposição tem apoiado a iniciativa. A ex-deputada María Corina Machado, que é potencial candidata contra Maduro, já apoiou a iniciativa, embora, nas últimas semanas, tenha defendido a suspensão do referendo.
A Guiana é uma ex-colônia britânica, que conquistou independência em 26 de maio de 1966. Desde muito antes, a Venezuela reivindica a área de Essequibo. Simón Bolívar, o herói da independência e inspiração de Maduro, chegou a escrever, à época dos "libertadores da América", alertando o governo britânico contra os colonos que se estabeleceram em terras que os venezuelanos reivindicavam o território. Em 1899, um tribunal internacional determinou que a terra pertencia à Grã-Bretanha.
A Venezuela voltou a questionar essa decisão na época da independência da Guiana, já no século 20. Tanto que o governo chama essa região de "Zona en Reclamación" (Zona de Recuperação) e não é incomum ela aparecer incorporada ao mapa da Venezuela em livros escolares.
A confrontação, por enquanto no campo retórico, pode dragar o Brasil para a crise. O Itamaraty recebeu um apelo do presidente da Guiana, Irfaan Ali, para que o presidente Lula intercedesse para tentar demover Maduro de realizar o referendo do dia 3. Ali e Lula conversaram no último dia 9, em um contato por videoconferência tratado como "urgente". Depois disso, o brasileiro despachou para Caracas o assessor especial Celso Amorim. O ex-chanceler, que tem relação muito próxima com Maduro, viajou como bombeiro. Não teria pedido para o governo venezuelano desistir da consulta. Mas o recado foi recado.
Se Lula almeja se cacifar como mediador internacional, mais próximo do que o Leste Europeu ou o Oriente Médio, a crise regional, perigosamente próxima, será um bom teste.