A indicação de Cristiano Zanin pelo presidente Lula para a vaga de Ricardo Lewandowski, no Supremo Tribunal Federal (STF), foi um erro cujo vício de origem é a amizade entre o ex-cliente e hoje presidente e o ex-advogado e hoje ministro da mais alta de Corte de Justiça do país. Além de violar o princípio da impessoalidade, que deveria calcar o serviço público, temia-se (e teme-se) que a relação pessoal entre os dois acabe por influenciar decisões jurídicas, que deveriam ser técnicas e independentes, a favor do Executivo.
Pois bem, em suas primeiras votações, Zanin, de caso pensado ou não, parece disposto a frustrar expectativas da esquerda. Se foi uma estratégia buscando ser mais realista que o rei - para demonstrar suposta independência -, deu certo. O recém-empossado ministro colheu elogios da direita e de setores alinhados ao bolsonarismo.
Primeiro Zanin votou contra a equiparação da homofobia ao crime de injúria racial e a favor de manter a condenação de dois homens acusados de roubar objetos que totalizavam R$ 100. No caso mais rumoroso, sobre a descriminalização do porte de maconha, na semana passada, ficou isolado no "não" contra, até agora, cinco votos favoráveis - o julgamento foi paralisado com pedido de vista de André Mendonça. No sábado, ele votou contra o reconhecimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) sobre violência policial contra os povos guarani e kaiowá no Mato Grosso do Sul.
Os votos alinhados aos dos ministros Nunes Marques e André Mendonça, os dois indicados por Jair Bolsonaro, irritou a esquerda. A indignação chegou à cúpula do Planalto, a ponto de alguns integrantes da base do governo apelarem a Lula para que "converse com seu ex-advogado" a fim de evitar um "desastre" no próximo voto, sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, na quarta-feira (30).
Esse será o primeiro teste da relação entre os dois. Se cair na tentação de telefonar a Zanin, mandar recado via interlocutor - a primeira-dama Janja já insinuou crítica ao comentar meme no qual confunde o novo ministro com André Mendonça - ou fazer qualquer discurso citando o tema, Lula estará cometendo interferência indevida na Suprema Corte. Zanin, a essa altura, espera que o telefone celular não toque até quarta-feira. Será para o governo, para a imagem do Judiciário, para o próprio presidente, e fundamental para a democracia, que Lula não ligue.