O Brasil assumiu nesta terça-feira (4) a presidência rotativa do Mercosul, na 62ª reunião de cúpula do bloco, realizada em Puerto Iguazú, no lado argentino da Tríplice Fronteira. O momento é extremamente delicado para o bloco, que precisa lidar com três desafios ao mesmo tempo: concluir o acordo de livre comércio com a União Europeia, deter o esfacelamento do próprio bloco e lidar internamente com a Venezuela.
O presidente Lula estabeleceu como meta finalizar o acordo com o bloco europeu até o fim do ano. Não é simples porque, além de oposições internas por aqui, precisa vencer o protecionismo travestido de agenda ambiental de alguns integrantes da UE, como a França. Lula, baseado em sua história como sindicalista, acredita que basta uma boa conversa com Emmanuel Macron para tudo ser resolvido. Não é bem assim: a França, embora locomotiva política do bloco, é apenas uma entre as 27 nações e Macron não anda com muito crédito interno, especialmente entre os sindicatos, depois de fazer os franceses engolirem a fórceps sua reforma da Previdência.
O plano do governo brasileiro é apresentar aos colegas do Mercosul uma contraproposta ao documento adicional da UE, que prevê sanções em caso de descumprimento de normas ambientais. O argumento é que nem os próprios membros europeus cumprem, na totalidade, o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Fora isso, há duas crises internas: o desejo do Uruguai de negociar um acordo comercial com a China em separado do bloco. Na prática, isso significaria o fim do Mercosul tal qual o conhecemos. A saída de um dos membros fundadores já havia aparecido na tensa conversa entre Lula e o presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, em Montevidéu, em janeiro e voltou a pairar nos bastidores da cúpula em Puerto Iguazú depois de nova declaração nesse sentido por parte do chanceler do país vizinho.
A segunda divergência diz respeito à participação da Venezuela, suspensa do Mercosul desde 2017 devido às investidas autoritárias de Nicolás Maduro. A posição brasileira é pelo retorno do país ao bloco. Isso começou a ser costurado no momento em que Lula restabeleceu as relações com a Venezuela, após a posse, recebeu Maduro com tapete vermelho no Planalto, e assumiu discursos que relativizam a ditadura venezuelana, como em entrevista à Rádio Gaúcha na semana passada. Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández, estão alinhados sobre o retorno do país ao bloco, mas enfrentam oposição dos parceiros de bloco, o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, e do Uruguai, Lacalle Pou.
Fica ainda mais difícil trazer a Venezuela de volta ao Mercosul em um momento complicado da política interna do reino madurista, no momento em que o governo começa a apertar o torniquete novamente para evitar qualquer chance de a oposição chegar ao poder nas eleições do ano que vem. Na sexta-feira (30), a Controladoria-Geral da Venezuela estendeu a pena de inelegibilidade da ex-deputada María Corina Machado para 15 anos, tirando do páreo a principal adversária de Maduro. A decisão soma-se ao impedimento de dois outros potenciais concorrentes da oposição, Henrique Capriles e Juan Guaidó.