Os protestos de junho de 2013, a Lava-Jato, o impeachment de Dilma Rousseff e, principalmente, a derrota do PT nas eleições presidenciais de 2018 obrigaram a esquerda a sentar-se no divã a fim de fazer uma profunda reflexão sobre os rumos de seu campo político.
O resultado prático desse mergulho em busca de compreender a crise de identidade na qual havia se metido foi a vitória de Lula em 2022. Embora, o personalismo que caracteriza a política brasileira tenha consagrado, mais uma vez, o vencedor, do divã, levantaram-se setores que questionam cláusulas pétreas da esquerda, como a defesa de regimes autoritários, como os de Venezuela e Nicarágua.
A direita pós-Jair Bolsonaro precisa, assim como a esquerda o fez na segunda década do século 21, sentar-se no divã. Sem medo.
A inelegibilidade do ex-presidente abre uma janela de oportunidade para esse campo político se reinventar. Diferentemente dos Estados Unidos, onde Donald Trump, mesmo condenado pela Justiça pode voltar a se postular à presidência no ano que vem, no Brasil, a Lei da Ficha Limpa impede Bolsonaro de ser candidato em 2026. Urge ao campo político repensar nomes e projetos.
Tanto lá quanto aqui, a direita, em doses diversas, se viu sequestrada pelo radicalismo. Bolsonaro amalgamou diferentes interesses da sociedade brasileira, em parte representados nos cartazes dos protestos de 2013. Mas o ex-capitão convertido em deputado e, depois, presidente, nunca foi, em essência, conservador e muito menos liberal - valores clássicos da direita. Ao contrário, instrumentalizou pensamentos e crenças religiosas para fins políticos e atacou, com virulência, a democracia, como um nostálgico apreciador do regime militar.
Quando se pensa em liberalismo, por exemplo, Bolsonaro estava longe. Desde o início, criticou a globalização e os valores erigidos pelos Estados Unidos no pós-II Guerra Mundial, como a atuação dentro dos regimes internacionais, como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os pactos globais em defesa do clima, dos direitos humanos e das minorias.
Tudo isso, para Bolsonaro e o setor ideológico de seu círculo próximo, se tratava de "globalismo" - um suposto plano, impregnado na mídia, na Academia e nos grandes fóruns internacionais, para angariar mentes a serviço de um suposto marxismo cultural.
Ora, o verdadeiro liberal respeita a democracia, aliás, valor inquestionável da ordem global vigente. O resto é populismo.
Para o bem da direita, o espólio do bolsonarismo deve se fragmentar em dois campos: aquele que continuará sob a influência do ex-presidente - e aí pode-se prever o ungido por Bolsonaro, como algum de seus filhos, Eduardo ou Flávio, ou sua mulher, Michelle; e uma direita mais voltada ao centro, com os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PL), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), ou a senadora e ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina à frente.
Há uma oportunidade única de a direita se redesenhar: afastar-se do radicalismo, reorientar seus seguidores rumo à defesa da responsabilidade individual e buscar estar mais preocupada com a liberdade econômica do que com fantasmas do comunismo. Nesse sentido, cabe refletir sobre a importância da agenda ambiental - nesse quesito, o agronegócio, que já implementa iniciativas verdes, tem papel fundamental. Sabe-se, por exemplo, que, para alcançar o acordo Mercosul-União Europeia (UE), esse passo é necessário.
Em última análise, o que falta à direita é retirar de seus quadros o peso ideológico: depurar valores conservadores e liberais. Voltar às origens, revisar conceitos. E, principalmente, livrar-se na mesma armadilha da qual a esquerda volta e meia cai: os personalismos.
É duro, é difícil. Há lágrimas no caminho. Mas ninguém levanta-se igual do divã.