Não há ilegalidade. Mas duas informações em um intervalo de quatro dias pesam negativamente para a imagem do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
A primeira foi trazida pela colunista Rosane de Oliveira, de GZH, que mostrou que os TJ-RS comprou cinco carros de luxo da marca Audi, somando quase R$ 1,8 milhão no total.
Tudo dentro das normas: afinal, carros de qualidade, segurança e conforto equivalentes, mas com preços menores, foram descartados porque não cumpriam a exigência de ao menos 203 cavalos de potência cada um, o previsto no edital.
Ora, então questione-se o edital: para que tanta potência em um carro para os membros da Corte se nas ruas e avenidas de Porto Alegre a velocidade máxima permitida é de 60km/h, com exceção na Avenida Castello Branco, onde chega a 80km/h? E nas rodovias – afinal o argumento do TJ-RS é de que os magistrados viajam muito e por via terrestre – o máximo é de 110km/h?
A segunda informação a pesar sobre a imagem dos magistrados veio a público nesta terça-feira (25). O TJ-RS é o segundo que mais pagou a seus membros no país, atrás apenas da Corte de Rondônia nos seis primeiros meses de 2023.
Conforme levantamento do Jornal O Globo, com base em dados abertos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em abril, um magistrado gaúcho recebeu no contracheque R$ 602 mil. Isso é o equivalente a 16 vezes o teto dos servidores públicos, na faixa de R$ 41 mil, regulado pelos rendimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) desde a Reforma da Previdência em 1998.
Vou repetir: alguém no TJ-RS ganhou em abril 16 vezes mais do que o salário de um ministro da mais alta Corte de Justiça brasileira. Dezesseis vezes o teto constitucional.
Ainda conforme os dados do CNJ, no TJ-RS, foram pagos R$ 12 milhões em rendimentos para 38 magistrados. Quando se olha os 10 maiores rendimentos em mais de 80% das Cortes brasileiras, o que soma R$ 6 milhões, quatro dessa dezena de contracheques estão no Rio Grande do Sul.
Em geral, os tribunais dizem que os valores superiores ao teto são legais porque são baseados em resoluções do CNJ e em decisões judiciais - por vezes tomadas pelos próprios magistrados. Questionado, o TJ-RS enviou nota (segue a íntegra abaixo). A base da argumentação é que os ganhos referem-se a férias, licenças especiais e plantão. A assessoria de Comunicação explica também que, em razão do grande volume de trabalho (sim, a Justiça gaúcha é uma das campeãs em número de processos, dada a belicosidade e ânimos da sociedade do RS), muitos magistrados não puderam usufruir de descanso. Por isso, acabam recebendo na forma de rendimentos licenças especiais e férias, por exemplo.
Tudo dentro das normas, tudo legal. Mas, ainda assim, um tapa na cara de grande parte dos brasileiros que vivem com um salário mínimo e que levariam 501 meses ou o equivalente a 41 anos para receber a remuneração (sem contar férias e 13º salário) que ganhou um magistrado gaúcho no mês de abril.
O que diz o TJ-RS
"O TJRS obedece rigorosamente ao teto constitucional no pagamento do subsídio de seus magistrados e todo e qualquer pagamento adicional é submetido à apreciação do CNJ.
Os valores apontados são decorrentes do somatório do subsídio mensal e valores decorrentes de indenização de licenças-prêmio.
O TJRS estabeleceu como meta a priorização da tramitação e julgamento dos processos, antiga reivindicação da sociedade. Devido ao volume de trabalho, diante da enorme judicialização, nem sempre foi possível aos magistrados e servidores usufruírem de seus direitos relacionados a descanso (licença especial e férias).
A Licença-Prêmio está prevista no artigo 150 da Lei Complementar nº 10.098/94 e se constituía de direito previsto em lei para servidores e magistrados, correspondendo a três meses de repouso a cada quinquênio de efetivo exercício, direito este extinto em 2021.
Neste contexto, o TJRS efetivou planejamento para indenizar aqueles servidores e magistrados que desejassem antecipar o recebimento desses valores – pois, se não gozado ou recebido, quando de sua aposentadoria teriam direito ao seu percebimento em valores de qualquer forma. Assim, possibilitou a conversão em pecúnia de tais direitos, expediente comum em várias instituições públicas. Tal prática, aliás, é muito usual em empresas privadas, que compram períodos de férias de seus funcionários.
A decisão de indenizar tais valores foi devidamente submetida ao crivo do CNJ, que depois de largo tempo de exame, em 25/11/2022, concluiu pela sua legalidade, lançando a devida autorização, para a antecipação das indenizações (Pedido de Providência nº 0008414-16.2020.2.00.0000 - CNJ).
Os pagamentos são de natureza indenizatória, não têm qualquer relação com a remuneração mensal (subsídios), tendo sido pagos em datas e folhas de pagamento distintas. Por isso, não estão submetidos ao teto constitucional.
Realça-se que os pagamentos foram pontuais, únicos e extraordinários, além de devidamente adequados ao orçamento do Poder Judiciário.
Esclarece-se que não foram apenas os magistrados constantes da lista que receberam em pecúnia o valor correspondente à licença especial, mas sim um total de 640 magistrados e 4.380 servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, realizando pagamento prioritário aos servidores no mês de janeiro.
Nos meses de fevereiro, março e abril foram pagos aos magistrados que optaram pelo parcelamento, os demais receberam em parcela única no mês de abril, o que gerou os valores expressivos indenizados, decorrentes da não fruição desse direito acumulado ao longo da carreira."