Uma reunião em Pelotas, no sul do Estado, selou na terça-feira (23) um acordo sob sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU) no qual os governos de Brasil e Uruguai se comprometem em fazer a gestão integrada dos recursos hídricos da Bacia da Lagoa Mirim, compartilhada entre os dois países. A iniciativa conta com financiamento de US$ 4,7 milhões (quase R$ 25 milhões) do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).
Pelo acordo, Brasil e Uruguai se comprometem com a utilização sustentável da água e preservação dos ecossistemas. Cerca de 1 milhão de pessoas dependem de recursos e biodiversidade da Lagoa Mirim, cuja bacia ocupa uma área de 3.750 quilômetros quadrados, boa parte no Rio Grande do Sul. A grande quantidade e boa qualidade de suas águas favorecem as atividades agrícolas, florestais, pecuárias, pesqueiras, aquícolas, turísticas e de abastecimento de água.
Participaram do evento de assinatura do projeto o ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, o subsecretário do Ministério do Meio Ambiente do Uruguai, Gerardo Amarilla, e o diretor regional da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para América Latina e Caribe, o uruguaio Mario Lubetkin.
Após o evento, o representante da FAO Mario Lubetkin conversou com a coluna sobre a importância do acordo para o desenvolvimento da região. Leia os principais trechos
Na prática, qual a importância desse acordo?
Ele viabiliza a possibilidade de garantir sustentabilidade ambiental e de se pensar em toda a área de desenvolvimento da lagoa na parte da água, do transporte, mas também a partir do desenvolvimento agrícola, como a agricultura familiar. Estamos falando de uma articulação que permite uma relação com 1 milhão de pessoas.
Em que medida essas pessoas serão beneficiadas?
Essas pessoas dependem da lagoa em muitos aspectos: transporte, água, para negócios. Há uma variedade de potencial socio-econômico de uma área como essa. Nossos números mostram também que mais 200 mil pessoas têm relação econômica com a lagoa. Não se pode pensar apenas em que a água fique pura, mas em tudo o que há ao redor para o desenvolvimento regional. Outro elemento: a importância da integração real entre os dois países. Às vezes, a gente esquece uma coisa importante: água é fundamental. Mas em quantas regiões ela é fator de guerra ou de instabilidade dentro do próprio país e na relação com outros países? Aqui, não ocorre nada disso. Aqui, é um cenário pacífico, de cooperação e integração. A água é um valor absoluto hoje e um fator sensível. Não se pode ter segurança alimentar sem segurança hídrica. Cerca de 10% da população do mundo tem problemas muito sérios de acesso a luz e água. A Lagoa Mirim é a segunda maior da América do Sul. Se você juntá-la com a Lagoa dos Patos estamos falando das duas lagoas mais importantes da América Latina. Há muita riqueza. Ao redor disso, há o tema do desenvolvimento, estabilidade e garantias ambientais. Esse projeto garante e cria estabilidade, integração e participação.
O sul do Estado vive a cada ano a estiagem. Como esse acordo pode contribuir para amenizar o problema?
Não é um problema só do sul do Brasil. É do mundo, em várias regiões ocorrem seca e inundações ao mesmo tempo. Vale para o sul do Brasil e para a Noruega. A mudança climática é severa. Isso precisa ser levado em consideração. Aqui, há uma riqueza excepcional e deve haver consciência para utilização de instrumentos de preservação, pensando em uma estabilidade.
O que Brasil e Uruguai devem fazer para garantir segurança ambiental da Lagoa Mirim?
Estamos lançando um compromisso técnico e político no qual os dois países não apenas devem garantir a parte ambiental, mas também o desenvolvimento da da região tanto da parte brasileira quanto na uruguaia. Não se trata só de manter e desenvolver e dar sustentabilidade à zona, mas a garantia de que se faça o mesmo nos dois países. É um valor agregado bem importante. Nenhum outro país da América Latina tem algo assim. Por isso, esse pode e deve ser um modelo bem desenvolvido para toda a América Latina e Caribe.
Muito se fala na hidrovia para tráfego de mercadorias entre Brasil e Uruguai por meio das lagoas, mas esse projeto está entravado há anos. O acordo pode ajudar a acelerá-lo?
Não está no projeto, mas, pelo que escutei, aqui é parte desse movimento, dessa ideia do Brasil e do Uruguai. Não é parte da discussão da FAO. Mas escutei aqui que, apenas um navio, nessa potencial hidrovia, poderia substituir mais de cem caminhões. Isso significa menos manutenção das estradas, menos mortes nas rodovias. Pode ser uma mudança bem interessante. Pode ser parte do desenvolvimento futuro do projeto. A gente deu a base econômica e uma série de condições técnicas. Agora, depende naturalmente da capacidade dos dois países. Vamos apoiá-los. Entramos em uma nova fase e estamos otimistas de que seguiremos no caminho certo.