A negligência de um dirigente de futebol diante de um estádio lotado que chama um negro de macaco não se explica, por si só, pelas suas preferências políticas. Mas elas dizem bastante sobre as ações - ou a falta de - de um líder.
A começar pela visão obtusa da realidade: Javier Tebas Medrano, presidente da LaLiga, a agremiação de futebol espanhola, diz não ver racismo por lá. Ora, não é necessário ser um conhecedor do futebol para saber que o preconceito contra negros e imigrantes (e se for negro, imigrante e muçulmano, pior) está impregnado não apenas no esporte mais popular do continente, mas em todos os quadrantes da sociedade europeia.
Após os mais recentes ataques racistas contra Vini Jr., do Real Madrid, o passado de Tebas vem sendo escarafunchado. E nem foi muito difícil descobrir que o advogado e administrador convertido em cartola mantém elos com ideologias que compõem uma modo de pensar cada vez mais conhecido e perigoso: nacionalista ao extremo, saudosista de ditaduras de viés fascista, avesso ao multiculturalismo e que se aproveita da religião para fins políticos. Todas essas características se reúnem em torno do Vox, partido do qual Tebas se disse apoiador em diferentes ocasiões.
Mas o que é o Vox? A agremiação política surgiu em 2013, a partir da cisão do Partido Popular, a direita tradicional espanhola. Seus fundadores, entre eles seu atual presidente Santiago Abascal, discordavam do que entendiam como uma abordagem suave do primeiro-ministro Mariano Raroy, do PP, com o grupo terrorista ETA (Pátria Basca e Sociedade) e com a maior liberdade das regiões autônomas, como a Catalunha.
No início, como em todos os países onde a extrema direita cresceu abruptamente, o Vox chamou pouca atenção. O combustível para sua explosão em popularidade foi a crise migratória e a fratura institucional a partir da crise na Catalunha, em outubro de 2018, quando a região declarou independência em relação ao resto da Espanha. Na eleição daquele ano, o Vox começou a conquistar corações e mentes de boa parte do eleitorado, a partir da Andaluzia, e hoje conta com 52 deputados nacionais, três senadores e quatro representantes do Parlamento Europeu.
O PP espanhol, embora seja uma força tradicional, já é remanescente da ditadura de Francisco Franco - seu fundador, Manuel Fraga Iribarne, fora ministro da Educação do "generalíssimo". Mas, enquanto o PP participou da redemocratização e enquadrou-se na "política normal", o Vox radicalizou sua ideologia, aproveitando-se do rancor nutrido pelos rejeitados da globalização, dos derrotados pela crise mundial em 2008 e na zona do euro, em 2009, e dos indignados que viam nos migrantes fugidos das guerras na África e no Oriente Médio bandidos dispostos a roubar seus empregos.
Isso não é, claro, um fenômeno apenas espanhol: a ascensão de movimentos de extrema direita é uma realidade na Polônia (Lei e Justiça), na Hungria (Fidesz, de Viktor Orbán), na França (Reagrupamento Nacional, ex-Frente Nacional de Marine Le Pen) e na Itália (Irmão da Itália, de Giorgia Meloni) para ficarmos nos casos mais conhecidos. Há um mal-estar europeu, assim como no Brasil e nos EUA, canalizado para a política, ou melhor, para os extremos dela.
O presidente da LaLiga é simpático ao Vox. Em 2019, afirmou ao ser questionado pelo cenário político:
— Eles me parecem bons. Venho dizendo isso há algum tempo. A Espanha precisava de uma alternativa como o Vox. Você tem que respeitar as 400 mil pessoas que votaram neles na Andaluzia. Se eles continuarem nessa linha, eu votarei no Vox.
Mexendo um pouco mais em seu passado, a imprensa também descobriu que Tebas foi filiado ao Fuerza Nova, uma agremiação franquista que existiu nos primeiros anos após a ditadura.
— Se a extrema direita significa defender a unidade da Espanha, a vida e o modo de vida católico, eu estou nesse grupo e continuo pensando o mesmo de quando estava em Fuerza Nueva — afirmou em outra entrevista, em 2016.
Tudo isso não justifica o fato de, em vez de reconhecer a praga social do racismo impregnado no futebol europeu e condená-lo, Tebas tenha partido para as redes sociais para atacar Vini Jr. Mas ajuda - e muito a explicar - seu modus pensanti.