Ainda está muito mal explicado o "desencontro" entre os presidentes Lula e Volodimir Zelensky, em Hiroshima, à margem da reunião do G7, o grupo das maiores potências econômicas do planeta e alguns convidados.
Quem conhece a dinâmica dessas reuniões internacionais sabe que sobra pouco espaço para o improviso: o tempo de duração dos painéis são cronometrados, as agendas, apertadas e até o resultado final, acordos e declarações, em geral, já estão acertados antes mesmo do primeiro aperto de mãos.
No caso das reuniões bilaterais, que ocorrem nos intervalos dos encontros já previstos no evento, há algum espaço para encaixes na agenda - mas até isso é negociado antes do início dos eventos.
O governo brasileiro afirma que disponibilizou três janelas na agenda de Lula para o encontro com Zelensky. A delegação de Kiev propôs trocas de horários, alegou problemas de segurança no local indicado para a reunião (supostamente fora do perímetro adequado), e, ao final, não apareceu. Ficou a impressão de que Zelensky queria forçar o Brasil a tentar de tudo para uma foto ao lado de seu presidente - algo que o Itamaraty, corretamente, não fez.
Apesar de todas as justificativas que estão postas - e as que virão, a fim de estancar a crise -, o "desencontro" em Hiroshima pode ser enquadrado na frase que Lula costuma lançar mão para simplificar a ocorrência de guerras: "onde um não quer, dois não fazem".
No caso da reunião que não ocorreu, ninguém queria: o Brasil estava incomodado com a pressão do G7, marcadamente pró-Ucrânia, para que Lula encontrasse Zelensky, e o ucraniano, por sua vez, não tinha interesse, no momento, em discutir cessar-fogo nos termos que estão sobre a mesa - o que significaria ceder território, uma paz à moda, digamos... de Vladimir Putin.
O clima entre Brasil e Ucrânia também não está pronto para um quebra-gelo - e isso não é uma questão só do governo de turno em Brasília. A posição brasileira no conflito, antes e durante o matraquear das metralhadoras, é dúbia.
Em 16 de janeiro de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro foi a Moscou, abraçou Putin e sugeriu solidariedade à Rússia. Oito dias depois, o autocrata do Kremlin invadiu a Ucrânia.
Na campanha presidencial, Lula candidato, em maio de 2022, em entrevista à Revista Time, disse que Zelensky era tão responsável pela guerra quanto Putin, declaração que repetiria, em outras palavras, algumas vezes, no Planalto.
À repercussão negativa das falas recentes, juntam-se outras declarações do tipo "Zelensky não pode ter tudo" e "Ocidente incentiva o conflito" e a rejeição ao pedido do chanceler alemão, Olaf Scholz, para que o Brasil enviasse armamentos à Ucrânia.
Lula aprendeu a lição de não culpabilizar a vítima. Passou a deixar mais claro e condenar os reais culpados pela guerra, os russos Mas como em política internacional é preciso repetir, reiterar - e mesmo assim o estrago demora a ser esquecido -, ele tem carregado nas tintas sempre que tem a oportunidade de criticar a violação territorial ucraniana - agora, posicionando-se do lado certo da História.
Fez isso na reunião do G7 - e Zelensky estava lá pessoalmente como convidado. Antes, no início do mês, despachou para Kiev o assessor presidencial e ex-chanceler Celso Amorim em uma operação de contenção de crise.
Lula cometeu erros, mas aprendeu com eles. A bola, agora, está com Zelensky. Antes de voltar para Kiev, o presidente ucraniano não contribuiu para desfazer o mal-estar ao ser questionado por jornalistas se ficara desapontado com o desencontro com o brasileiro.
- Acho que ele que ficou desapontado - disse.
A frase foi seguida de um sorriso irônico.