Na zona cinzenta pela qual navegam agentes políticos presos ou investigados pelos atos golpistas em Brasília, há uma área ainda mais nebulosa: o papel da alt-right americana, de seu ideólogo Steve Bannon e de suas relações com a família Bolsonaro. Além das semelhanças entre os ataques ao Capitólio e aos prédios dos três Poderes brasileiros, há similaridade de métodos, narrativas e operações em redes sociais para insuflar seguidores. Mais do que isso, existe uma cronologia de eventos que sugere o papel ativo da extrema direita nacionalista americana na engrenagem da tentativa de golpe, apesar dos hiatos que só as investigações e o tempo trarão a público.
Embora Bannon, o ex-estrategista da campanha de Donald Trump, seja a figura mais conhecida por aqui, há outros nomes incensados pelos radicais americanos, como Matthew Tyrmand, escritor, membro de uma organização conservadora chamada Projeto Veritas, conhecida por usar câmeras secretas para intimidar e expor jornalistas. Outro é Jason Miller, ex-porta-voz de Trump e fundador da Gettr, rede social utilizada pela alt-right. E ainda Darren Beattie, ex-redator de discursos da Casa Branca trumpiana.
Os quatro têm pelo menos duas coisas em comum: viam a eleição brasileira como crucial para a direita mundial, atacavam o Supremo, espalhavam mentiras sobre fraude nas urnas eletrônicas, sem apresentar provas, e buscavam fazer ligações entre Lula e o Partido Comunista Chinês. Principalmente, mantêm relações próximas com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente.
Bannon, por meio da hashtag "BrazilianSpring" (Primavera Brasileira), insuflou bolsonaristas a uma insurreição contra o que vinha chamando, desde o fim do segundo turno, de "eleições roubadas". No dia 8, enquanto os prédios da República eram destruídos, ele definia, na rede Gettr, os invasores como "lutadores da liberdade", palavras e gritos de guerra muito parecidos com os que pronunciou dias antes da invasão do Capitólio. No dia seguinte ao horror de Brasília, ele pôs no ar seu podcast chamado War Room acompanhado de Tyrmand, com críticas ao Judiciário brasileiro. No Twitter, aliás, Tyrmand ironizou o fato de a toga do ministro Alexandre de Moraes ter sido furtada pelos extremistas. Naquelas 24 horas dramáticas do Brasil, ele ainda participou do Spaces, no Twitter, com Allan dos Santos, blogueiro bolsonarista que se encontra foragido da Justiça brasileira, de um debate, comemorando os atos em Brasília.
Bannon, que se vangloria de ser uma espécie de "ponto de intercâmbio" entre Bolsonaro, Trump, Viktor Orbán e Matteo Salvini, já disse em entrevistas que se encontra regularmente - antes e depois das eleições brasileiras - com Eduardo Bolsonaro. O próprio já esteve com o então presidente brasileiro em sua primeira visita a Washington, em 2019, reunião da qual participou o escritor Olavo de Carvalho. Tyrmand e Jason Miller estiveram, também, no Brasil, na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) em 2021, ocasião em que também estiveram com Bolsonaro, o pai. Ambos foram retidos no aeroporto de Brasília pela Polícia Federal por ordem do ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das milícias digitais. Beattie, para o qual Lula é "a versão mais destrutiva e corrosiva" do comunismo, também foi chamado a repercutir os atos de 8 de janeiro nas plataformas de Bannon. É mais um da rede de contatos de Eduardo Bolsonaro e esteve na exibição do documentário sobre Olavo de Carvalho ("O jardim das aflições"), em março de 2019, no Trump International Hotel, em Washington, por ocasião da visita de Bolsonaro aos EUA.
A partir da derrota do então presidente no segundo turno, Eduardo sugeriu ao pai que tivesse uma reunião virtual com Bannon para se aconselhar sobre o que deveria fazer. Do dia em que Bolsonaro passou a morar no condomínio de Kissimmee, a duas horas de carro do refúgio de Donald Trump, em Palm Beach, até hoje, há um hiato sobre contatos entre essas personalidades. O ex-ministro Anderson Torres, que se tornou secretário de Segurança Pública do Distrito Federal no dia 2 de janeiro, viajou para Orlando na véspera das invasões em Brasília, mas negou à PF ter tido contato com o ex-presidente. Allan do Santos, blogueiro alvo do inquérito sobre os atos antidemocráticos, também está lá, e participou de um evento promovido pela Yes Brazil USA, uma entidade conservadora de brasileiros emigrados no qual Bolsonaro palestrou na terça-feira (31).
Um número expressivo de atores políticos, inclusive deputadas e deputados aliados do ex-presidente, estiveram no Estado americano, governado por Ron De Santis, cotado como novo Trump. Mas todos negam reuniões no condomínio de Kisssimme. Aliás, essa é mais uma similaridade aos métodos da alt-right americana, que orienta o que, quando e como se manifestar, preferencialmente nas redes.