Há requintes bizarros na grave denúncia feita pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES). Imagine a cena: um veículo receptor parado na Praça dos Três Poderes, captando o sinal de um equipamento "espião" acoplado ao paletó do político bolsonarista em uma reunião a sós com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. A missão de Do Val: garantir, na conversa gravada por meio de grampo ilegal, que o ministro falasse algo comprometedor que justificasse sua prisão. Ato contínuo à detenção de Moraes, viriam a anulação do resultado da eleição, o impedimento da posse de Luiz Inácio Lula da Silva e a manutenção de Jair Bolsonaro na presidência.
Grosso modo, é isso que Do Val, ainda que com contradições, tergiversações, mudanças de versões e silêncios, diz ter sido planejado em uma versão tupiniquim daquelas cenas de filmes de espionagens americanos de categoria duvidosa.
Os aspectos anedóticos dessa operação Tabajara não devem, entretanto, afastar a gravidade do que o senador declara. Do Val está involucrando o então presidente da República em um plano arquitetado, no Alvorada ou na Granja do Torto (ele não esclarece), após o segundo turno (ele também não diz com exatidão a data), em um plano golpista. A "missão" teria sido detalhada durante uma reunião entre o senador, Bolsonaro e então deputado Daniel Silveira, detido nesta quinta-feira (2) em Petrópolis (RJ). Dias depois, Do Val teria recebido a mensagem atribuída ao então parlamentar com a diretriz para, "parafraseando o 01" (Bolsonaro), "salvar" o Brasil.
Se o então presidente teria falado algo ou se mantido em silêncio na tal reunião é irrelevante. A se confirmar tudo o que Do Val diz, trata-se de uma ação deliberada de um grupo, entre os quais Bolsonaro, para um golpe de Estado. Daí a gravidade da coisa. O plano de prender Moraes se conecta diretamente com a minuta para o decreto, à espera de assinatura do presidente, encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres para decretar estado de Defesa no TSE, presidido por... Moraes.
Isso tudo é mais grave do que um punhado de bolsonaristas acampado em frente ao quartel-general do Exército marchando sobre os três mais importantes prédios da República para provocar o caos, que justificasse a ação das Forças Armadas - por Garantia da Lei e da Ordem (GLO) decretada por Lula. Estamos falando de um plano, ainda que mambembe, que, no mínimo, foi verbalizado e registrado em mensagens de WhatsApp.
Do Val tem muito a esclarecer, porque a cada fala deixa mais pontas abertas dessa novela rocambolesca. Ainda assim, é necessário que mantenhamos os dois pés atrás sobre o que diz. Primeiro porque, depois colocar Bolsonaro na cena do crime, nas últimas 12 horas, ele vem tentando levar junto Moraes, dando a entender parcialidade do magistrado, e sugerindo omissão do atual governo em 8 de janeiro, em especial o ministro da Justiça Flávio Dino. Segundo porque o senador tem histórico de desmentir suas próprias palavras quando o bicho pega. Em 2022, ele concedeu uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, afirmando ter recebido R$ 50 milhões em emendas do orçamento secreto como "gratidão" por ter apoiado a eleição do presidente do Senado Rodrigo Pacheco. Após a publicação do texto, disse ter sido mal interpretado e negou as negociações.
Bolsonarista de carteirinha, Do Val nada de braçadas no ambiente de desinformação, usa com maestria redes sociais para fazer barulho diante de sua claque e para atacar desafetos e se resguarda no discurso ambíguo. Ele pode estar atirando em Bolsonaro, ao trazê-lo para centro do plano, mas mirando, a médio prazo, em Alexandre de Moraes e Lula.