Quando a guerra começou, em 24 de fevereiro, acreditava-se que ela seria muito curta: em dias, a capital da Ucrânia, Kiev, cairia; o presidente Volodimir Zelensky fugiria do país; e a Rússia ocuparia e anexaria todo o território. Não foi o que ocorreu, e lá se vão seis meses de um conflito que desequilibrou a balança de poder na Europa, obriga o Ocidente a repensar cadeias de distribuição de gás e alimentos e aprofunda crises econômicas - e políticas - no mundo pós-pandemia.
O planeta havia se acostumado com guerras relâmpago, como as que os Estados Unidos empreenderam no Afeganistão e no Iraque na base da chuva de bombas - ao menos, em termos de invasão essas duas operações tiveram êxitos muito rápidos, a manutenção das ocupações é outra história. Mas o fato é que a Rússia não é os Estados Unidos. E a Ucrânia, tampouco o Afeganistão e o Iraque. Embora haja semelhanças - nos dois casos, superpotências minimizaram um fator fundamental em guerras assimétricas: a resistência e por vezes o brutal espírito de corpo da tropa de um país invadido. No caso do atual conflito há ainda o fato de o Kremlin ter menosprezado o interesse do Ocidente em apoiar - e seguir apoiando - a Ucrânia economicamente, politicamente e, principalmente, militarmente.
Apostava-se que o prolongamento da guerra seria mau negócio para Vladimir Putin. Com a demora, vêm o desgaste das tropas, problemas de abastecimento e logística, aumento do número de baixas no front e crescente pressão interna - mesmo em um Estado policial como o russo, onde a imprensa independente praticamente inexiste. Mas, ao contrário, meio ano depois, quanto mais o conflito se torna uma daquelas guerras sem fim, parece que Putin sai fortalecido. Ao menos internamente, já que fora é apoiado por alguns poucos governos autoritários. Seus índices de aprovação doméstica giram em torno dos 80% desde 24 de fevereiro, primeiro dia da guerra. Nisso, os dados de institutos independentes assemelham-se aos dos órgãos governamentais.
É tentador atribuir sua popularidade à propaganda do Kremlin e à ofensiva de Putin contra a imprensa independente. Mas já dizia Abraham Lincoln: "Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo". Logo, alguma informação acaba escapando ao Estado autoritário. Recentemente, por exemplo, o site independente russo Mediazona documentou 5 mil mortes de militares, com base em reportagens locais e postagens em redes sociais. Segundo essa página, os filhos da classe média russa foram poupados, em grande parte, de ir à guerra (ou, no eufemismo de Moscou, a "operação militar especial"). Os mortos em ação acabam saindo de regiões pobres da Rússia, como o Cáucaso.
Passado meio ano de conflito, a primeira verdade é que sanções impostas pelo Ocidente não colocaram Putin de joelhos. O país tem sido sustentado por uma aliança cada vez mais consolidada com a China em termos econômicos e militares.
A segunda verdade é que houve uma naturalização da guerra. As pessoas falam cada vez menos sobre o conflito. Há outros pontos nevrálgicos de crise no planeta: hiperinflação derrubando governos na Europa, ameaças à democracia nos Estados Unidos e na América Latina e um cada vez mais próximo embate entre China e Taiwan.
O risco é o esquecimento. Enquanto você lê esse texto, pessoas continuam morrendo na Ucrânia. Porque, para o resto do mundo, a guerra até pode ter sido naturalizada. Mas não para os ucranianos.